segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Vou cuidar do meu jardim

Ela disse que acordou de madrugada e, ainda com sono, meditou por um longo tempo. Depois, foi à cozinha preparar o café-da-manhã junto com todos os outros participantes. As mãos trabalharam muito e os lábios permaneceram em silêncio respeitoso. Na hora da refeição, o silêncio foi quebrado pelo mastigar dos afoitos, o que a incomodou um pouco. O dia seguiu sem pausas e a próxima tarefa foi cuidar da horta. Ali, de cócoras, ela se lembrou de que não seguiu o ritual de todas as manhãs e que o intestino já reclamava da posição. Não contou mais nada, porque as risadas não deram chance às palavras. Ela apenas ria do sufoco passado. Como risada é contagiante, também ri e não pensei mais no assunto.

Dias depois, eu cortava alho em fatias delicadas, quando pensei no quanto gosto do que é minucioso, do fazer sem pressa. Gosto de tarefas que poucos suportam. E agradeço se houver silêncio nessas horas. É porque “viajo”. Se há palavras, elas me atropelam. Então, estava ali, entregue ao pensar sem me concentrar – que é uma espécie de meditação – quando me lembrei do retiro no mosteiro zen, motivo dos risos da minha amiga. Pensei que adoraria preparar o café-da-manhã em silêncio após uma longa meditação. Então, veio a questão: será que eu sou zen?

Repassei o roteiro do dia no mosteiro e descobri que adoraria cuidar da horta, mexer com a terra, sujar as mãos, pisar no chão. Adoraria ficar um fim de semana sem carne, sem cerveja, sem excessos de qualquer espécie. Definitivamente, eu não pegaria carona com o casal que abandonou o retiro no dia seguinte à chegada. A partir desta constatação, fiquei chocada. Como é que eu nunca considerei isso relevante?

Encontrei algumas respostas. Uma delas é que preciso andar sozinha. Por isso, não me agreguei. Optei por fazer o meu caminho com meus próprios pés, com meus olhos, com minhas mãos, com meu coração, com meus erros e acertos. Não tenho tanto conhecimento suficiente para me manter sempre confiante, mas conto com os amigos e suas experiência. Também existem os livros, os filmes, os acasos, os pequenos milagres, existe um universo de possibilidades. Então, falo, leio, vejo, ouço e, na hora de escolher, confio em mim. Preciso dessa espécie de fé, cuja metáfora mais cabível é de dar asas a quem salta no abismo do desconhecido. Isso me conforta.

Canto mantra se o entendo, leio a Bíblia se me agrada, rezo um Pai Nosso quando a situação complica, tendo água benta, eu tomo, faço novena se for preciso, repito palavras mágicas jurando que acredito. E se a questão era ser ou não ser, encontrei minha resposta: sou e não sou. Agora, com licença, porque, como disse o Cândido, de Voltaire: "isso está certo, mas devemos cultivar nosso jardim".

domingo, 22 de novembro de 2009

Eu vou pro céu

O primeiro pensamento que tive sobre os limites da vida foi alarmante. Eu tinha uns seis anos. Nessa época, gostava de ficar ao lado da minha mãe enquanto ela costurava. Ela instalava-se numa espécie de varanda e eu um pouco adiante, do lado de fora. Deitava-me no chão fresco e os meus pensamentos iam tão longe quanto o voo dos pássaros – urubus, diga-se de passagem – que eu adorava observar. Às vezes, fazia perguntas difíceis, tipo: "Onde termina o céu?" Esta pergunta vem ao caso, porque minha mãe respondeu que o céu não tinha fim. Eu duvidei. Então, olhei fixamente para o alto e resolvi descobrir. Pensei no que haveria depois das nuvens, depois do ponto mais alto que um urubu chegou, depois do azul, depois do sol e da lua e, quando cheguei no depois do depois, fiquei apavorada. Não havia nada que pudesse ser colocado ali, a não ser o escuro. Com o coração disparado, voltei meus olhos para o chão.

E foi no chão que, em outra ocasião, eu observava formigas e, num insight, pensei que, para elas, o universo era o meu quintal. Elas não tinham como saber que havia uma rua lá fora, que havia um bairro, uma cidade, um país, um mundo. Ela só conseguia enxergar o percurso do formigueiro à árvore. E se o quintal era o universo, o ser humano era o deus das formigas. Nós decidíamos se elas viveriam ou não. Nós poderíamos por o pé na frente de uma delas e impedir o avanço. Nós poderíamos dar-lhes alimento. Foi assustador, porque me veio a tese de que Deus poderia esquecer-se de nós, da mesma maneira como 99,99% das vezes nos esquecemos das formigas. A síntese desse pensamento foi um sentimento de abandono. Não quis mais brincar. Hoje eu sei que essa brincadeira tem um nome: chama-se filosofar.

Recentemente, o marido de uma amiga, vendo uma formiga que avançava sobre a mesa da cozinha, pego-a e, ao invés de matá-la, lançou-a do outro lado do muro, na rua. E disse algo como: “Se eu mato a formiga, acabo com a história. Mas se jogo para bem longe, dou-lhe a chance de outra vida.” Achei hilário pensar em como seria a próxima encarnação da formiga. Será que ela se lembraria que um dia habitou a mesa farta de uma cozinha? Será que ela avançaria em alguma escala espiritual?

Não tenho respostas. Aliás, a falta de respostas para estas questões é algo bem típico. O dia em que perguntei à minha mãe: “Se Deus criou o mundo, quem criou Deus?” Ela até tentou explicar, mas eu jamais consegui entender. Confesso que ainda me sufoco se começo a pensar na solidão de Deus, esse filho único de não se sabe quem – e não falo de Jesus, falo de Deus mesmo –, o soberano que brinca solitário com suas formiguinhas por toda a eternidade (palavra que também não me cabe).

Sei que não é bem assim. Mas sei também que as respostas que li nos livros de Deus e dos homens ainda não me satisfazem. O velho testamento, por exemplo, traz um Deus tão cruel que eu não aguento. O meu ser católico arrepia-se inteiro e encolho-me de medo. Como sei que isso não é justo, busco outras linhas para me inspirar. Leio um pouco de tudo. Quando li Nietzsche, encantou-me a coragem de dizer que, em troca de uma vida eterna, morre-se muitas vezes antes de viver. De fato, matar um querer, por culpa, é dizer não ao desejo de expansão da alma. Saramago também me surpreende. No livro Caim, ele resolveu se rebelar contra o Deus do antigo testamento e concluiu: «a história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele». 

É por essas e outras que, às vezes, paro tudo e olho para o céu. Ocasião em que penso na vida e na desimportância dos meus sofrimentos, penso nos prazeres e no dia em que vou viver plenamente, penso que, se não alcançamos os limites do mundo, se não entendemos a presença de Deus, se não podemos compreender o intangível universo existencial, viver deve ser mais simples. Esse é o meu jeito de ir para o céu.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

No final, tem graça

Começa sempre assim: a gente não está muito legal e inventa umas fórmulas para ficar bem. Às vezes dá certo. Outras não. Mas isso não é algo que faça os crédulos perderem a calma. No mínimo, a experiência rende boas risadas.

Quem se aventura pelo esotérico acaba rindo – com ou sem graça. Tomar banho com ervas, por exemplo, pode ter duplo efeito: a gente lava a alma e suja o box. Usar sal grosso dá no mesmo com o acréscimo do do-in que as pedrinhas fazem nos pés, um bônus precioso para quem se liga. Meditar usando incenso novo é sufoco na certa. Nós, os incautos, nunca acertamos a distância ideal de primeira. Montar o mapa dos sonhos pode virar pesadelo. E se o namorado resolve mostrar para os amigos? Aconteceu comigo e o pior foi que, entre os sonhos tinha uma tal de barriga tanquinho.

Às vezes, a experiência sobra para os vizinhos. Há um ano, uma amiga, seguindo o conselho de uma profissional, resolveu defumar a casa. O ritual não era nada simples. Envolvia dispor vasilhas com enxofre em vários cômodos, botar fogo e ficar de lá para cá, acompanhando o ritmo. Não tentem fazer isso em casa. A experiência foi um suplício. No início, tudo bem. Aí, a fumaça foi aumentando, tomando conta e ela, circulando desorientada sem poder respirar direito. Ficou tão fedido e enfumaçado, que a alternativa foi abrir as janelas e apagar tudo. Pode ser que tenha sortido algum efeito, porque ela ria muito ao contar o caso.

Existem também alguns tropeços. Eu, por exemplo, estava dançando descalça num gramado suspeito, tropecei e cai. Pelo menos a trilha era perfeita, uma música new age para aliviar as tensões. Jurei para a turma inspirada que eu estava bem, mas machuquei o braço. Ficou roxo alguns dias. Tudo bem, roxo é a cor do sexto chakra. Zen também.

A primeira vez que participei de uma reunião budista foi insuportavelmente hilária. Estava acompanhada de um amigo bem-intencionado, mas descontrolado. Chegamos atrasados e escolhemos um lugar discreto, como fazem os iniciantes. As pessoas começaram o Daimoku. Estranhei aquele murmúrio, era como um coral repetindo centenas de vezes a mesma frase – em japonês! Só se ouvia "Nam myoho rengue kyo, Nam myoho rengue kyo, Nam myoho rengue kyo..." David, meu amigo, ficou paralisado, encolheu os ombros e virou o rosto para o outro lado. Estranhei. Puxei minha cadeira para trás e, então, vi que o rosto dele estava muito vermelho. Ele fazia um enorme sacrifício para não soltar uma gargalhada. Então, não aguentei. Perdi a pose.

Assim seguimos. Vamos sempre confiantes enfrentar o próximo desafio. O propósito é ficar bem na foto e acredito que, na maioria das vezes, saimos sorrindo.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Um viver de fácil preparo

Fui recebendo alguns textos e guardando. Às vezes, leio e acho inspirador, penso que poderia colocar em prática. Poucas vezes o faço. Os textos são como receitas de um bom prato. Quase todos trazem ingredientes disponíveis no mercado e óbvios modos de preparo. Parece fácil. Um sorriso aqui, um pensamento bom ali e, assim, a vida teria um sabor diferente. É na hora de misturar os ingredientes que a dificuldade começa. Qual o ponto certo da atenção? Que tanto exato é uma pitada humor? E o gosto amargo da frustração, uma hora passa? Não ficou doce demais o meu afeto?

Aprendi a cozinhar errando. Claro, algumas vezes acertei de cara, mas quase sempre só dava para o consumo conformado. Hoje, com a coragem de ousar, misturada à tradição familiar, até que me dou bem. Se a culinária fosse como a vida, bastaria entender que preciso da minha experiência e do meu histórico para que a receita faça sentido e para que eu saiba a hora de parar de mexer.

Quando leio alguns textos, penso em manter o fogo baixo e ir cozinhando os velhos hábitos, enquanto preparo a novidade para o meu cardápio. Preciso desse tempero. Algumas vezes, parece perda de tempo investir num banho demorado, quando o trabalho pede urgência. Então, eu me pergunto: “O que vale mais?” Não tenho dúvidas e, se questiono, é só para afirmar as novas respostas. O coração em paz vale mais. Sempre.

Vou testando. Se não der certo, pelo menos a vida terá um gosto diferente e mais charme. Porque, definitivamente, a estética também vale. Para quem quiser experimentar, seguem algumas receitas rápidas, colhidas ao acaso, naqueles textos que recebo.

Para abençoar
Devia ser para a casa. O texto dizia para fazer uma água de cheiro com rosas, ervas e frutas da preferência, aspergir pela casa e mentalizar coisas boas. Minha experiência indicou um modo mais simples: fervo tudo e curto o aroma. No hora do banho, jogo da nuca para baixo. A casa toda fica cheirosa e eu... deixa pra lá.

Desobstruir caminhos
Varrer a casa com ramos de hortelã. Passar pelos cantos. Também pode-se fazer um chá bem forte e passar pano na casa, indo dos fundos para a rua. Aspergir essência de hortelã na casa. Hortelá é bom também para desobstruir o organismo. Mudei tudo. Achei um exagero varrer a casa com raminhos de hortelã. Então, fiz um chá bem forte e tomei. O que sobrou, coloquei no frasco próprio e perfumei a casa. Juro que me senti mais em paz. E ainda tive o bônus do sabor.

Mais equilibrio e calma
Fazer pausa de 10 minutos a cada 2 horas de trabalho.
Dizer não sem culpa.
Concentrar-se em uma tarefa de cada vez.
Ainda não aprendi o segredo. É comparável a fazer suflê. Sai do forno bonitinho e depois murcha.

Por hoje é só. Como o propósito aqui é contar as experiências neste caminho meio zen, meio humorado, continuo atenta ao que recebo. E vou contando tudo. Ao contrário de alguns chefs, que sempre guardam um segredo – o pulo do gato – eu revelo. Conto até o que não deu certo. Quem sabe alguém me dá uma dica?