sábado, 30 de outubro de 2010

A estrela da festa

Um dia a gente descobre que mudou. E isso é bom. Ontem, eu descobri uma mudança fundamental no meu jeito de ser: Estou ouvindo meu querer, estou cuidando mais de mim. Isso é gratificante. Foram anos carregando ressentimentos, culpas e tristezas, porque colocava o querer dos outros acima do meu, porque esperava reconhecimento que não vinha e porque não tinha graça me tratar tão mal assim.

O processo foi lento. Vem de muito tempo. Talvez tenha começado quando alguém muito especial me deu uma história para ler. Era uma história sobre cair no buraco, colocar a responsabilidade disso nos outros e lutar muito para sair. Cair de novo e sair mais rápido, ainda enraivecida porque os outros foram os responsáveis. Cair novamente e sair rapidamente, sabendo que a responsabilidade é de quem cai. Os próximos capítulos eram: desviar do buraco e, por fim, mudar de rua. Ontem, eu descobri que mudei de rua. Que alívio!

Ouvi uma pessoa muito próxima dizer: “É foda relacionar com estrela.” A estrela era eu. E ouvi isso porque afirmei: “Vou ficar onde estou, porque este é o lugar que me agrada agora.” A frase soou tão nova, tão forte, tão amorosa e eu fiquei tão calma, tão mansa, tão tranquilamente feliz. Então, se isso é ser estrela, vou dizer: Sim, eu sou a estrela da minha festa, quando a festa é a minha vida.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Perseguindo um milagre

A menina tinha uns oito anos e era muito católica. Não, não era religiosa, era católica mesmo, assim, como a ensinaram. Foi por isso que, num domingo em que todos se divertiam vendo Silvio Santos na TV, ela se rebelou e foi à missa. Sozinha. Quando saiu, ninguém notou que havia algo diferente em seu semblante. Ela estava descobrindo o sentido da palavra determinação. Sem saber como nomear aquilo, dirigiu-se para a igreja mais distante, que era a sua preferida. Porque era alta, era grande, era velha, geralmente estava cheia de flores – sobras dos casamentos – e tinha um cheiro de fé.

Mas aquela igreja tinha um inconveniente: era longe. A determinação, que ela não sabia que tinha, mas que ia descobrir que sim, dizia: siga. E lá ia a menina. Andava e olhava para os lados, tentava memorizar os canteiros, as casas, as placas... Seguia olhando tudo, porque não queria ter problemas no caminho na volta. Que esperta!

Chegou, prestou atenção em todos os detalhes e em metade da missa. O restante do tempo, pensava alarmada em como haveria de encontrar o caminho no escuro. Era noite lá fora. Como foi se esquecer desse detalhe? Comungou, para não ser castigada, rezou como lhe falaram para rezar, acrescentou mais um Pai-Nosso para ajudar e saiu antes da benção final.

E se perdeu. Voltar para a porta da igreja era fácil, bastava ir na direção da torre. Difícil era encontrar o rumo de casa. As pessoas já iam se dispersando e o pânico tomando conta. Então, teve uma ideia: seguir dois rapazes que pareciam saber muito bem para onde iam e, para tranquilizar, tinham um ar muito amigável. Eles andavam e ela andava. Eles paravam, ela parava. Atravessou avenidas, passou por trilhos, praças, até pela rodoviária. E pensava determinada: "Eles vão para algum lugar. Eu também vou. Perdida eu não fico."

Ficou. Os rapazes entraram numa casa. O que fazer? Começou a chorar. A dona da casa veio ver o que se passava. "Estou perdida" – respondeu. Vindo de dentro, os rapazes pararam para ouvir e um deles disse: "Viu, ela estava mesmo seguindo a gente."

Depois de todos "Onde você mora", "eles vão te levar" e não sei mais o quê, ofereceram bolo. Assim, a seco. A menina perdia o rumo, mas não perdia o apetite. Por isso, engoliu um bom pedaço, entalou e foi socorrida com um copo d'água.

A caminho de casa, descobriu que um dos rapazes era colega da sua irmã mais velha. Oh, tragédia! Saiu correndo na frente, tentou despistar os heróis da noite, mas de nada adiantou. Eles também eram determinados. E foi assim que ela teve de aguentar, por anos, a ira da irmã, que morria de vergonha da caçula tola. E ainda por cima católica!

A menina que perseguia um milagre era eu. Eu que queria chegar em casa e que cheguei. Hoje, eu posso fazer mil analogias, dizer que seguir o caminho dos outros nunca me leva para casa; dizer que não importa as voltas, a gente sempre chega; dizer que o caminho dos outros não serve para mim... Mas o legal mesmo que eu aprendi foi a coragem de fazer o que eu quero e arcar com as consequências. Bem zen.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Que graça tem?

Que graça tem escolher a roupa que vai vestir ao mesmo tempo em que escova os dentes? Que graça tem tomar banho pensando na frase certa para o trabalho com prazo apertado? Que graça tem coar café, lavar a louça e molhar as plantas simultaneamente? Que graça tem tomar café em pé e sair correndo? Que graça tem levar o livro para ler enquanto caminha? Que graça tem encontrar com as amigas, tecer apenas uma flor e com pressa? Que graça tem ficar pensando no computador que ficou ligado, esperando para o trabalho até altas horas? Ora, que graça tem isso?

Antes de ficar com muita peninha de mim, respondo: muita graça!

Não é assim a minha vida. É uma questão de momento. Haverá sempre dias de paz, dias de calma, de banho demorado, meditação, café sem pressa, um livro inteiro curtido na cama. Sempre há dias de trabalho bem pensado, pesquisado, prazeroso e dias de encontros demorados. Vivendo pressão e pressa nos últimos meses, estou admirada com a minha capacidade de responder à vida com flexibilidade. E quanta! Estico-me daqui e dali para dar conta do recado. Ótimo, depois eu me satisfaço com a glória de ter feito tudo pra dar certo.

Ficar reclamando? Ora, tem graça!...

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O inferno que assombra

No altar, o padre levantava a hóstia e dizia: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.” E os fiéis respondiam: “Senhor eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”. A criança que eu fui encolhia-se de medo. Por não entender o que todos diziam, repetia: “Senhor, eu não sou digna de que entreis em minha morada, mas direi uma só palavra e serei salva.” Direi uma palavra e serei salva era o que atormentava. Que palavra? Não sabia e, por pensar que tinha obrigação de saber, não ousava confessar a ignorância.

Assim, a tortura se repetia todos os domingos. Havia sempre aquela hora em que os sininhos ecoavam do lado de fora e o silêncio sem resposta do lado de dentro. Aos oito anos, eu acreditava que não seria salva.

Um dia, perguntei a uma das minhas irmãs que palavra eu deveria dizer para ser salva. Ela não entendeu. Então, com impaciência típica de irmã mais velha, disse: “Amém”. Achei simples demais. Não, a palavra não podia ser aquela. Continuei carregando minha dúvida e, talvez, alguma culpa. Depois esqueci.

Alguns anos se passaram e foi lendo a bíblia que a minha dúvida deu lugar a uma nova pergunta: "Como assim, tantos anos com pavor do inferno e não era nada disso?"

Recentemente, fui a uma missa de sétimo dia e quando o padre levantou a hóstia e repetiu o ritual, não consegui segurar o riso. É hilário como o inferno da ignorância é capaz de assombrar.

A quem possa interessar:
A resposta estava em Mateus (8,5-13), passagem em que um centurião vai ao encontro de Jesus e diz: “Senhor, tenho em casa um criado com paralisia, sofrendo terrivelmente”. Jesus responde: “Eu vou lá curá-lo”. O centurião argumenta: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa, mas dizei uma só palavra e meu servo ficará curado”. Então, Jesus conclui: “Vai e faça-se como crês”. Naquela mesma hora, o servo foi curado.