quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Olhar pra trás

Será que alguém consegue olhar os próprios rastros e não se arrepender de passos dados? Faço esta pergunta porque andei observando os meus passos pela vida e também das pessoas queridas, faço esta pergunta porque achei que ter um enorme desejo de fazer a coisa certa bastava, faço esta pergunta porque acreditei que saber o que se quer e andar nesta direção era o bastante, faço esta pergunta porque descobri que não.

Ainda bem que cabe outra pergunta: o que posso fazer agora?

É um alívo saber que a vida segue em frente. Sempre. O meu olhar para trás é válido apenas para acertar o curso da caminhada. No mais, como disse o rapaz a um encharcado Vinícius de Morais que andava com água até os joelhos: "Pra frente é que se anda!"

Se não vou ainda, é porque preciso achar um canto para me encostar e descansar. Se não vou ainda, é porque esperarei passar o mês de janeiro, porque inferno astral não é época para manobras radicais. Então, em fevereiro, tem carnaval e o meu passo será outro. Eu espero.

Segue abaixo trecho da crônica de Vinícius, que considero belíssima. Como certas palavras me ensinam caminhos...



Hino carioca


Na noite do dilúvio, tentando alcançar a pé minha casa, eu me senti bêbado e louco. Caía uma tromba-d'água do céu, e tão espessa que eu mal conseguia respirar. Minhas pernas venciam a custo a densidade da cheia, que me passava dos joelhos; mas eu prosseguia com raiva dos elementos desencandeados, com raiva da cidade passiva ante sua fúria. Caí e me levantei duas vezes imprecando nomes, desafiando o aguaceiro e sua mortalha de lama, querendo briga.

Seriam pelas quatro da manhã e eu me sentia menino e ao mesmo tempo o último herói do mundo. Era tudo vazio à minha volta, e eu não suspeitava a catástrofe que, naquele momento mesmo, se abatia sobre centenas de lares pobres nos morros, o pé-d'água varrendo casebres que se desfaziam caindo pelas encostas; gente a pedir socorro em plena queda; corpos esmagados de crianças e adultos a misturar seu sangue ao barro imundo. Eu seguia cheio de cólera e euforia, o olho atento aos remoinhos, aos movimentos suspeitos da água, ao chupo dos bueiros abertos, patinhando violentamente no lençol de chuva. Ao passar diante de uma garagem inundada, um velho crioulo guardador compreendeu minha luta e me animou:

- É para frente que se anda...
Eu sorri para ele e sua carapinha branca:
- Fique em paz, meu irmão.

E pus-me a cantar cantos de guerra. Quando alcancei meu edifício, brandi meu punho para o alto. Não, não vai ser nem o ressentimento dos covardes, que cria as ditaduras, nem a fúria dos elementos, que gera a calamidade, que irão impedir o homem de chegar ao seu destino - ai dele! - mesmo sabendo de antemão perdida a grande e fatal partida em que foi lançado. Porque o destino dos homens é a liberdade: liberdade para amar, para optar e para criar; liberdade pura e integral, com a dramática beleza dos elementos desencadeados a que se sucedem céus azuis cheios de luz. Liberdade para viver e para morrer, sem medo. Liberdade para cantar seu canto rouco diante da carne translúcida das auroras. Liberdade para desejar, para conquistar o que não lhe é permitido pela estupidez da convenções e pela reserva dos bem-pensantes. Liberdade para ganir sua solidão ante o Infinito. Liberdade para suar sua angústia no Horto da dúvida e do desespero, e subitamente explodir seu riso claro em pleno Cosmos:
- A terra é azul!

Esse é o grande destino do homem: remover os escombros criados pelo ódio e partir de novo, no vento da Liberdade, para a frente e para cima. Que venham os tiranos, que o prendam e torturem, que caiam do céu bolas de fogo - e ele levante-se, roto e ensangüentado, e com a força que lhe dá a Vida parte uma vez mais, em direção à Liberdade...

domingo, 21 de novembro de 2010

Um pouco do que aprendi

Uma vez, li um texto, desses que recebo por e-mail e cujos autores são tão duvidosos quanto a aplicabilidade das palavras à vida. Era um texto sobre o valor da experiência. Até havia algum sentido. Mas o que deixava dúvidas era a minha capacidade de abosorver e atuar de forma consciente. Quem é que consegue? Como é que a gente recebe um conselho, digere e coloca em prática? Como é que se planta uma semente na consciência? E quando é que ela brota?

Hoje, passado algum tempo, percebo que a digestão faz-se pela repetição, que a semente é plantada pela percepção e que ela brota pela força do desejo. Palavras só transformam quando são legitimadas pelo nosso querer.

O texto em questão falava das coisas que um dia a gente aprende. Era grande, quase duas laudas descrevendo aquilo que um dia a experiência me ensinaria. Considerando o tamanho, era se de esperar que muito do que estava escrito não me tocasse. De fato, pouco ficou. Mas esse pouco fixou-se e parece ressurgir das vísceras quando mais preciso.

Eis aí:
- Um dia a gente aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém. Algumas vezes, você tem que perdoar a si mesmo.

- Um dia a gente aprende que realmente pode suportar, que realmente é forte e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não pode mais.

Não dá pra dizer o quanto já andei depois de achar que não aguentaria mais. Se essas palavras couberem no seu coração, siga em frente!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Aliviando a carga

Recebi hoje e achei digno de postar aqui. Por quê? Porque eu preciso ler, reler, viver e aprender.

“Dois monges estavam atravessando um rio, quando encontraram uma mulher que também desejava atravessá-lo, mas estava com muito medo. Um deles resolveu carregá-la até a outra Margem. O outro ficou indignado, porque a regra era nunca tocar no corpo de uma mulher. Porém, não disse nada.

Horas depois da travessia, quase chegando ao mosteiro, o monge contrariado, finalmente disse:
– Olha, terei de falar ao mestre sobre seu comportamento proibido.
– Do que você esta falando?
– Ora, do seu comportamento. Esqueceu-se de que tocou naquela mulher e a carregou nos braços?

O primeiro monge riu e calmamente replicou:
- Sim, eu a carreguei. Mas a deixei lá, na outra margem, a muitos quilômetros atrás. Você, ao contrário, a está carregando até aqui.”

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Questão de estratégia

18:00 horas. Horário do rush. Estávamos numa avenida congestionada com a intenção de pegar um táxi. Não demorou muito. Entramos e pedimos desculpas, porque o trajeto seria curto. Meio quarteirão depois, uma curva à direita nos leva ao pé da ladeira. O carro encarou a subida com a garra que nos faltou. A estratégia era esta: pegar um táxi para subir os dois quarteirões que desafiariam o nosso fôlego. Ocorre que os ganhos foram outros e deu vontade de esticar a viagem.

Pra começo de conversa, o motorista disse que não se importava com a corrida curta. Emendou que a única coisa que o incomoda é conversa desrespeitosa, temas contrários aos seus valores. Fazia sentido. Contou que tem um amigo maravilhoso, que vive de bem com a vida. Quando os outros têm de encarar uma barra pesada, ele diz: "Vai, é estratégia de Deus". Eu e minha amiga rimos e demos corda para o assunto.

A carro subia lentamente e ele citava exemplos de como os desafios podem ser mesmo uma estratégia de Deus. Entendi a frase como um outro modo de colocar otimismo na vida. Vale a pena pensar que, por trás de dores, sofrimentos e frustrações, existe algo maior se concretizando. Besteira? Ora, aquele homem já aprendeu que besteira é lutar contra os fatos. Não vivo rindo à toa, mas confesso que não aguento gente que reclama e se lastima a toda hora. Isso é, no mínimo, chato. Eu não aguento. Ou será aguento? É só pensar: "É uma estratégia de Deus.