segunda-feira, 28 de maio de 2012

Escolho isto e não aquilo

Ainda criança, lendo um poema de Cecília Meireles, descobri que viver é questão de escolha. Ou isto ou aquilo: "Ou se tem chuva e não se tem sol ou se tem sol e não se tem chuva! Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva." Fiquei aturdida. Eu teria que escolher sempre.

Sim, as escolhas acercam-se de mim o tempo todo. Da hora em que acordo até a hora de dormir, só o que faço são escolhas. Até quando não escolho nada, trata-se de uma escolha, considerando as possibilidades de tudo. Não é diferente com você.

Agora, mesmo, escolhi um começo assim, porque eu precisava de uma certa cumplicidade para seguir. Mas ler também é uma questão de escolha. No final, tudo não passa de variações sobre o mesmo tema.

Dito isso, prossigo com a confidência: se desde criança sei que devo escolher, nos últimos meses, minhas escolhas refletem o desejo de mudar alguns hábitos, que, talvez, tenham nascido lá nos tempos de menina.

Isso significa que estou escolhendo um novo modo de vida. Parece simples, mas não é. Mudança de hábito beira à tortura. Só quero um pouco mais em paz, de saúde e equilíbrio, mas, para isso, preciso escolher o novo o tempo todo. Isso implica perder o conforto, o poder e até o controle. E a menina às vezes faz birra.

Hoje mesmo, deitada num colchonete, com as pernas para cima, as mãos segurando os pés, o corpo todo lutando para se equilíbriar e o rosto pegando fogo, eu me perguntei: "O que o prazer tem a ver com isso?" Eu estava na aula de yoga e a professora havia dito que o tema do dia seria prazer. Diante do sacrifício, questionei, mas não desisti.

Então, ouvi a frase reveladora: "Enfrentem o desafio e não a si mesmas". Mudou tudo. Entendi que valia a pena esforçar-me, porque eu merecia ultrapassar aquele limite. Prosseguir foi minha escolha inteligente.

Enfrentar desafios – como fazer novas escolhas – dá medo, cansa, mas depois de vencer uma batalha, o prazer é imenso. Não tem nada a ver com o prazer de comer um bom pedaço de brownie, tem a ver com crescimento, com descoberta e com compromisso.

Na aula de hoje, aprendi que a felicidade tem a ver com escolhas, mas, sobretudo, com compromisso. Adeus, Cecília Meireles! Bem-vinda, Kundalini Yoga!


quinta-feira, 17 de maio de 2012

Outras palavras

Não podemos esquecer que a Sônia era Maria: 
"... uma mulher que merece viver e amar como outra qualquer do planeta". Uma legítima representante deste sexo sofrido: a mulher e mãe brasileira, "... que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta." Diante desses acontecimentos e outros "... é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre".
Não podemos perder "... a estranha mania de ter fé na vida."
Hudson

Compartilho esta lembrança que o Hudson, meu cunhado e que também conviveu com a Sônia, me enviou. As palavras me emocionaram muito por retratarem com poesia e pertinência a realidade da nossa querida amiga.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Para Sônia

Comprei peras para você. Foi sem motivo nenhum, só pela vontade de agradar mesmo. No momento em que as vi formando uma pequena montanha de sabor, lembrei-me do dia em que você me perguntou se podia comer uma pera que amadurecia esquecida na fruteira da sala. "É claro que pode" – eu disse. Naquele dia, você pegou a pera como quem pega algo precioso, lavou e mordeu com gosto. O sumo escorreu um pouco pelo queixo e você riu antes de limpá-lo com as costas da mão. Foi tão infantil aquele gesto. Deve ser por isso que, quando vi as peras expostas no supermercado, quis comprar logo meia dúzia. Uma só não bastava para o apetite, nem para a satisfação de vê-la, pelo menos por um minuto, esquecendo-se dos seus problemas.

E problemas você tinha vários. O engraçado é que era capaz de deixá-los de lado e vir perguntar dos probleminhas da gente, como se a minha dor de cabeça, pequeno sintoma de TPM, fosse mais importante do que a paz que você não tinha.

E por que você não tinha paz, eu queria te dar peras, não rosas. Claro que você teria sensibilidade para admirar belas rosas perfumadas, mas eu sempre soube que a vida para você se limitava ao essencial e até os seus supérfluos, como o franguinho no almoço de domingo, olhando assim, era tão essencial. As suas orações, as músicas evangélicas que você ouvia enquanto passava roupa, tudo era essencial. E se eu dizia que você estava chique com aqueles fones de ouvido, se brincava que a tecnologia resolveu nosso impasse sobre a sintonia do rádio, era porque enxergava o quanto é chique manter os olhos – e os ouvidos – voltados para algo além do chão comezinho. É, Sônia, o chão que você pisava era mais do que comezinho, comum ou modesto, era cruel.

E por que o seu chão era cruel, você estava sofrendo tanto nos últimos dias. Ao longo de 18 anos, eu descobri que você tinha forças para superar tudo e eu sabia que você iria superar o mal que te cercava. Deve ser por isso que eu quis te oferecer peras maduras e doces. Porque um gesto de carinho faz bem quando se tem tão pouco. Principalmente, quando se tem tão pouca paz.

E por que você nem mesmo tinha paz, eu lhe comprei não uma, mas seis peras. Você teria gostado. Você gostava de receber e não tinha vergonha de levar, também não tinha vergonha de pedir. Pedia mesmo, sem vacilar. Eu reclamava, mas você sabia que era brincando, não sabia, Sônia? Você sabia que eu ria com sinceridade e carinho quando dizia: "Você é uma pidona." Era com satisfação que eu dava aquele pouco que eu tinha para oferecer a você que merecia muito mais da vida. E muito mais eu te daria. Porque você não pedia por pedir, pedir era apenas mais uma das suas estratégias de sobrevivência.

E por que você sobrevivia em meio aos desafios e tristezas, quando eu te perguntei, na última semana, o que você andava pedindo a Deus, você respondeu: "– Eu só peço que Jesus me dê forças para aguentar, se o pior acontecer." O pior aconteceu, mas não foi com sua filha, foi com você. Agora, eu me pergunto, será que Jesus te deu forças? Já que ele não fez a bala parar, será que ele te deu forças para ir encontrar a paz que você nunca teve?

Eu comprei peras para você e não pude entregar. Você veio na quarta-feira e eu não estava em casa. Mas eu deixei um par de tênis no quartinho, naquele lugarzinho de sempre, onde eu colocava os presentes. Esses, você levou. Certamente iriam parar em outros pés, porque é como você dizia, "infelizmente, não calçamos o mesmo número". Eu só não entendi porque fiquei tão irritada por ter me esquecido de falar das peras. Rogério me consolou: "Na quarta que vem ela leva, as peras vão aguentar bem na geladeira." Mas eu não parava de reclamar, quis ligar para a casa onde você estaria na quinta-feira e dizer pra você vir buscá-las, como se fosse essencial você comer uma pera. Hoje eu sei que não era. O essencial era o carinho.

E porque essencial é o carinho, eu fiquei triste. Eu intuia que você precisava demais disso. Você não precisava de roupa nova, nem do sabonete "estragado", nem de mais uma palavra de consolo, nem mesmo das peras. De alguma maneira, eu intuia que você só precisava de força e carinho.

E por que eu intuia que você precisava, não me esquecia das tais peras. Era como se fosse falta muito grave ter me esquecido. Hoje eu sei que eu só queria demonstrar minha gratidão. Andamos juntas por tantos anos... Você foi solidária, fiel, participativa, amiga. Eu dizia que você era quase da família. Quase? Não, se eu falo da grande família que construimos, você faz parte dela.

E por que você faz parte da minha família do coração, é com alegria que eu me lembro de você dizendo: "Pra você, eu não deixo de trabalhar nunca."

Aquele delinquente que entrou na sua casa e apontou a arma para você não sabia nada disso, não sabia da sua bondade, da sua luta, da sua angústia, dos seus medos, das suas escolhas, das faltas, da capacidade de perdoar quando todos em volta viam culpa. Aquele rapaz não sabia que se eu tinha comprado peras para você, é porque você merecia mais do que um tiro, você merecia amor, respeito e carinho. Eu sabia.

As peras estão na geladeira. Mas, agora, você não vem.
 

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Outonos

Olho pela janela e vejo a mesma paisagem, agora, diferente. Há algo mais do que a tonalidade cinza, algo mais do que a névoa que sutiliza o recorte dos prédios. Há o mistério das estações.

O outono chegou com sua bagagem e, a cada dia, vai mostrando uns tons envelhecidos, tons de guardados, como se tivessem esperado calmamente o verão colorir a tela e, já desbotado, sair de cena. Vai mostrando que tem cor e sopra. A brisa que me toca traz um friozinho também. O outono arrepia a pele.

Olho para dentro e vejo a cozinha. Sobre o fogão, imagino uma velha chaleira – o outuno não combina com o novo, isso é coisa primaveril. Na chaleira, imagino chocolate quente, café com leite, qualquer bebida que aqueça, somando líquido, calor e as lembranças mais antigas, mais amigas. O outono tem gosto e textura. O outono é fofo como um bolo saindo do forno na casa da avó da gente.

Outono combina com o Tchekov que estou lendo. Tende um pouco para o sombrio, mas soma elegância e originalidade indiscutível. Passo as páginas e respiro fundo. Obsorvo a literatura e o romance que me circunda. É a vida real, é outono. Os hábitos mudam.

A Terra girou. O tempo passou. Agora, o outono desfila lá fora e dentro de mim. E eu que nem havia pensado que estreio o outono da vida também! O susto passa como a folha que o vento leva. É bom saber que eu passei o tempo. Não foi só o tempo que passou para mim.

Ouço Vivaldi e convido você a ouvir também. Porque é outono.

Outono (Mov 1) Vivaldi (www.sheetmusic-violin.blogspot.com)

domingo, 6 de maio de 2012

De olhar e vê

O homem falou com um preguiçoso e simpático sotaque de nordestino e com a sabedoria dos anos vividos. Segundo ele, nós, os estrangeiros que chegávamos à pequena comunidade, a enxergávamos melhor do que qualquer um deles.

– "Quem vê de fora, vê maior." – Disse Sr. Pedro.

A simplicidade da fala, do homem e do momento fez com que as palavras entrassem sem filtros e ecoassem para além daquela sala.

Nas minhas meditações, que também podem ser chamadas de devaneios, já vasculhei as diferenças entre olhar e entendimento. Vejo minhas mãos, mas meu olhar não capta a eloquência do gesto. Quando as estendo e as coloco diante do rosto, movimentando-as como quem procura sustentar um mundo de ideias, se paro para perceber, tudo muda. Ou sou espectadora ou a atriz em cena.

Vejo os meus pés, mas não percebo a trajetória. E se paro para olhar os passos dados, só o que vejo são pegadas, que são assim, como lembranças do vivido. Pegadas evocam o movimento de quem agora jaz paralisado; pegadas são registros que se apagam, não são pés nem passos. E que importância tem isso, se até mesmo os pés um dia passam? A trajetória só é plenamente conhecida por quem desvenda a história do início ao fim, exercício vedado a quem vive o momento.

Nas conversas alheias, nossos maiores conflitos são facilmente resolvidos. É próprio do humano enxergar caminhos onde quem sofre enxerga abismo. Quem vê de perto dificilmente tanspõe com tanta facilidade o desafio.

Mas, ajustando o foco e sob lentes microscópicas, constatamos a verdade inequívoca: quanto mais o homem se aprofunda nos mistérios, quanto mais de perto observa, mais distante fica do entendimento. A epiderme, as células, os átomos, a ligação do todo... A incerteza se amplia no aprofudamento.

Essa era a minha meditação e o meu pensamento. Então, um dia, Sr. Pedro vem com a sabedoria do simples revelar que ver de fora é ver maior. Talvez a vida não seja mesmo para ser vista por dentro e muito de perto. Talvez ater-nos às nossas mãos e pés seja limitar demais o olhar.

Distanciar-se do próprio umbigo, ampliar o olhar, ir lá fora, ver o outro, tudo isso é ver maior, é ampliar o conhecimento.