sábado, 30 de junho de 2012

O som da estação

Ia já ficando assim, sem trilha. Mas, tal qual o outono, aqui, o inverno chega com Vivaldi. É pra gente ouvir, viajar e pensar se combina mesmo com a estação.

Clique para ouvir. É belíssimo.
http://youtu.be/bgAUjj5Kt6Y

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Inverno austral

O inverno chegou e quem é zen de verdade ou até quem é zen esforçado – entre os quais, eu me incluo – não pode deixar de reverenciar o fato. O inverno chegou e eu vi. Vi pelos brotos que despontaram na minha orquídea, vi pelos ipês cor-de-rosa nas ruas da cidade, vi pela árvore de flores escarlates. E fiquei feliz. O inverno é a minha primavera. E não é só pelas flores que eu digo, inverno e estação boa, é disposição, elegância, amadurecimento e apetite.

Algo sutil acontece no inverno e eu começo a perceber a sutileza. Ao contrário das árvores frutíferas – que são podadas nesta época – no inverno, a gente cresce. Deve ser porque ficamos mais quietos, mais introspectos. No inverno, as pessoas não hibernam, mas vão para dentro, e é aí que as grandes mudanças acontecem. Começa com um olhar bem de perto, que enxerga o que há de errado e de certo. Depois, há mais tempo e vontade de tentar algo diferente. As promessas de início de ano, não são nada se comparadas ao que se processa a partir do dia 21 de junho. Repara bem, repara que a mudança acontece.

Na minha fantasia, eu invento que o inverno é um senhor de barbas longas e que cheira a patchouli. Inverno é madeira de lei, é castanha e tem casca dura. Inverno é o tempo que não passa e a gente tem menos pressa de seguir. O inverno tem olhar manso, mas, rigoroso, exige disciplina e cuidado.

Chá, chocolate quente, pés frios, pão assando, cobertor, lenha, fogo, mãos que se esfregam, cachecol, quentão, a roupa bonita, caldo, torrada, tudo isso entra em cena, quando o inverno chega.

E o inverno chegou. Quero seguir assim, parando para ver os ipês floridos. Lindos. E dizer mais do que isso é perda de tempo. Ipê é beleza de calar. Quero ver a orquídea cheia de brotos florescer, porque há uma graça maior em ver as flores da planta que a gente cuidou. Eu verei. Há também uma árvore de flores escarlates, que é um espetáculo de sedução na Barragem Santa Lúcia. Ela fica numa curva e sua beleza é um psiu que convida o caminhante a olhar. Quase todo mundo tropeça, porque estica a vista e erra o passo. É assim, que eu vou andar, reparando que há beleza em volta.

É inverno no hemisfério sul, é o chamado inverno austral. Mas eu vou mudar isso, o meu inverno será um outro astral.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Preciosidade

Preciosa é a oportunidade de rever crenças, quando todo o aprendido parece pouco e precisamos ir além, vasculhando outros cantos, inventando outros modos, escolhendo outras palavras.

Preciosa é a oportunidade de incrementar o vocabulário, abandonando as gírias leves que boiam na profundeza da alma.

Preciosa é a oportunidade de ver a si mesmo maior do que o corpo e a mente, pelo acréscimo do intangível como fé e sentimento.

Preciosa é a oportunidade de sentir e deixar o fino fio tecer alegria, tristeza, dor, frustração, medo, angústia, felicidade, saudade, gratidão e outros bordados da vida.

Preciosa é a oportunidade de convivência, é viver com. Mãe, irmãos, amigo, amiga, velhos conhecidos, a vizinha com quem nos simpatizamos e até a manicure que tira cutícula de leve. Todo mundo conta.

Preciosa é a oportunidade de andar junto, é acreditar no outro, é dizer sim às alianças. Falo de mim e dele, mas também de mim e de ti.

Porque precioso é o encontro.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Uma certa humanidade

Pensei num coração pulsando numa cadência precisa e o som ecoando em cada célula do corpo. Afetado pela frequência do som, o núcleo celular passava a vibrar como um coração pulsante, vivo, preciso. Pensei na semelhança circular do núcleo com um planeta girando no espaço. Preciso também, sem nunca perder a rota. Um planeta ligado a outros e outros e outros por um laço invisível chamado energia ou força. Foi assim que eu inventei o grande organismo a que dei o nome de universo. E foi aí que eu pensei que tudo o que é grande demais está muito próximo do que é absurdamente pequeno.

Pensei que dentro e fora, longe e perto, passado e futuro, tudo está ligado por um laço invisível chamado energia ou força. Foi assim que eu inventei uma realidade a que dei o nome de tempo. E foi aí que eu pensei que tudo o que foi está próximo demais do que é. O passado habita o presente.

Pensei que eu carrego o pavor do homem das cavernas, o medo do homem da Idade Média, a tristeza do homem que foi à guerra e a insensatez do homem moderno. Pensei que os sonhos do mundo estão registrados no DNA que me dá forma. O que é do outro é meu, quando imagino que orbitamos num universo e num tempo únicos, ligados por uma energia ou força, como um grande organismo. E foi aí que eu compreendi o sentido da palavra humanidade.

Pensei que dá para entender porque eu me importo com o homem de grandes unhas sujas que fumava uma ponta de cigarro e segurava uma bíblia junto ao peito, enquanto tomava sol, deitado no banco da praça. Dá para entender porque eu não me esqueço do rapaz estendido na calçada da Praça Sete com a calça suja de tinta, o que denunciava a profissão de pintor de parede, babando feito criança e cheirando a cachaça. Dá para entender porque sinto que o que esses homens estão vivendo tem a ver comigo e porque me pergunto: o que eu posso fazer para mudar isso? Dá para entender, se eu usar a palavra humanidade, cujo sentido acabei de apreender.

Na imaginação, pensei em voar e descobri que podia. Conquistei uma leveza cheia de cores belas, como as asas de uma borboleta. Fios luminosos saiam do meu umbigo e me ligavam ao que foi e ao que será, ao tudo e ao nada, ao grande e ao pequeno, ao mundo e à célula. Voando, ouvi o coração batendo mais forte e o som ecoando dentro de mim. De repende, o som do gongo me fez saltar alguns centímetros no colchonete e quase sair do estado meditativo. Agora, sim, meu coração pulsava forte e eu me sentia mais viva e mais inteira, sentia o mundo em mim.

O que passa pela mente de uma pessoa que medita é um mistério que sempre me intrigou. Se você também já quis saber, agora sabe o que eu pensei durante um relaxamento ao som de um gongo na aula de kundalini yoga. 

Feche os olhos... Inspire.... Expire.... Relaxe, ponha as mãos no peito e ouça o coração do mundo. Ele está bem aí, do lado esquerdo.