segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Mudança de vida

Em dias de mudança, descobrimos as inutilidades da vida. Somam-se caixas com copos, pratos, panelas, livros, roupas, revistas velhas... Nelas, descobrem-se coleções que não são nem enfeites, uma dezena de bolsas de cores diferentes da moça que só ousa preto, sapatos para festas e para longas caminhadas de quem só anda na rotina do perto, blusa para o frio que não vem ou para usar aonde a gente não vai, livros que viram desassossego, por cobrar o tempo de ler ou reler, lembranças amargas guardadas num pedaço de guardanapo, só para não esquecer que já foi pior um dia.

Nas mudanças, a história sai dos seus guardados. Há fotos e, nelas, a ilusão de um momento eternizado. Nos acenos, sorrisos, gestos estudados e poses ensaiadas, revivemos amizade, festa, férias, mais presença e menos saudade. Um brilho no olhar, a mão estendida, o ombro amigo, tudo fica na caixa, separado por ocasião ou misturado como as emoções da gente. São como flashes do tempo, respingos de nostalgia que vem alegrar a bagunça da casa desmontada.

Nas mudanças, há achados emocionantes. Estavam ali, o tempo todo, o bilhete amoroso, a correntinha da sorte que se perdeu, o parafuso da máquina, a tampa da panela, a receita de pão. Há, ainda, achados desastrosos. O brinco que nunca mais será par, a chave da fechadura que já era, a declaração de amor que – descobre-se – tinha prazo de validade, o presente que não agradou, o pé de meia sem par.

Deve ser por isso que a gente oscila nas mudanças. Há tanto da vida que se viveu. E temos que escolher o que guardar, o que doar, o que jogar fora. Não saio apenas de um apartamento para outro, saio de um tempo para outro, de uma escolha para outra, de uma Iêda para outra. Saio mais leve, com algumas perdas e muitos ganhos. Saio renovada.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

À toa

Sem causa, sem porquê, sem aviso prévio. Foi assim. Eu estava desprevenida e quase nem vi quando um sorriso brotou. Acho que veio lá do fundo, das profundezas feitas de sonho, de crença nos homens, de amor incondicional, de aconchego, de família querida, de lembranças amigas. O sorriso brotou e eu deixei essa alegria pequena fazer curva no meu dia.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Acabo voando

Um nova tribo foi descoberta na divisa do Mato Grosso e Amazonas. Vi a mulher andando no mato, vi o guerreiro e o arco. A vida ali parecia andar em ritmo lento. Ora, ora o caos civilizado não entra na mata.

Ninguém ali sabe do SUS, ninguém sabe dos 20 centavos, ninguém morre de pena vendo gente passar fome, ou filhos desaparecidos, ou a vítima do último crime, ninguém tem amigo de Facebook, ninguém sabe de Belo Monte, ninguém sabe da Copa, ninguém sabe de mim.

Eu, que em meio a uma mudança e à bagunça típica do momento, perdi a paciência, o humor e a compostura, sonhei com o sossego da mata. Por um instante, aspirei àquela liberdade. E pensei em pés no chão, corpos nus, ar puro, verde, frutos, ops... espinhos, mosquito, filhos para parir, preguiça, longo caminho, susto, lama, bicho e... Passou! O fio que me conduz exige tecnologia.

Mas fica a inspiração de que a vida pode ser diferente. Não quero ser índio, mas cabe outra estrofe:

"Se Deus quiser
Um dia acabo voando
Tão banal assim
Como um pardal
Meio de contrabando
Desviar do estilingue
Deixar que me xingue
E tomar banho de sol,

Banho de sol
Banho de sol..."


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Seguindo em frente

Em momentos como este, de conquista e cansaço, gosto de me lembrar da crônica Hino Carioca, em que Vinicius de Moraes fala sobre um temporal que alagou o Rio de Janeiro. Naquela noite, ia ele seguindo com água até os joelhos, desafiando o aguaceiro e imprecando nomes feios, quando ouve de um homem que tirava água da garagem:

– "É pra frente que se anda!"

Há algo de reconfortante nessa frase. Mais do que isso, ela soa como um estímulo. Se está difícil, é pior ficar parado. E a vida oferece tantas possibilidades...

Acrescento para mim mesma, como consolo nos retrocessos, que dois para frente, um para trás ainda é seguir em frente.