segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Culinária afetiva

Quando eu era criança, via minha mãe cozinhar sempre apressada. Mulher assoberbada de trabalho, seis filhos, casa, cozinha, costura, ela não tinha mesmo muito tempo. Então, às vezes, solicitava alguma ajuda no preparo da comida: "lava o arroz, descasca o chuchu, cata o feijão". Sempre tinha uma tarefa e eu não sabia o quanto esse apoio era importante. Nós, as filhas, sempre reclamávamos um pouco na hora de ir para a cozinha ajudá-la. Eu me arrependo disso.

Hoje, quando cozinho, tenho a sensação de revisitar aqueles tempos, tenho a sensação de que abro arquivos e trago à tona aprendizados e descobertas que ficaram adormecidos. Foi um ganho e tanto. Adoro o cheiro de coentro – que tantos odeiam –, porque me faz voltar no tempo. Revejo minha mãe segurando com firmeza um maço de folhas verdinhas e cortando, o cheiro espalhando-se pela cozinha. É o cheio de infância, é o cheiro da menina sonhando com a transformação da carne bem temperada em alimento. Só não sabia que seria um alimento para a alma.

Aprendi a refogar arroz, aprendi a fazer carne cozida, aprendi segredos do preparo, porque minha mãe cozinhava e explicava: "não existe cozinheira boa que larga a comida na panela e não mexe". Ela ensinava como devíamos experimentar, verificar o ponto, deixar o gosto apurar antes de despejar água.

Outro dia, minha mãe me deu mais um conselho: "cozinhe com capricho, não vai fazer comida com descaso, faz como se fosse para você." Mas eu já sabia disso. Aprendi, lá nos idos da infância, vendo-a apressada, mas nem um pouco descuidada, que cozinhar exige atenção, cuidado, imaginação e, sobretudo, carinho.

Hoje, eu adoro cozinhar e cozinho com carinho. Essa é uma das heranças maternas que carrego comigo e passo adiante em cada prato que preparo na minha loja de assados.