segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Gotas de mim

Não perca sua essência. Pode entender essência como perfume. Pode. Leia então: não perca seu perfume. Não perca o que te dá personalidade; o que vem de você, chega suavemente e agrada; o que traduz quem você é, suas crenças, seus valores, seu humor mais presente, sua fala mais convinvente. Seu perfume, como o perfume que vem em frascos, não pode ser um exagero. Isso é deselegância em todos os sentidos.

Não perca seu perfume significa preservar raízes, eleger o que pode ser cultivado a vida inteira e que fica melhor com o tempo, mais leve, mais suave, mais bonito. No meu prédio, tem um pé de jasmim que nunca deu flores. Passo por ele e vejo uma planta bonita, verde, viçosa, mas também vejo incompletude. Fico imaginando como seria passar e ser inspirada pelo perfume. Passo por algumas pessoas e sinto a mesma falta de flores.

Não perca seu perfume, porque até comida sem cheiro fica sem graça. Sabor tem a ver com o aroma. O aroma da gente é a expressão da nossa verdade. Não tem nada a ver com repetição de frases repetidas e que soam bem na festa. O perfume da gente é a verdade calada, que se ouve com os olhos nos olhos, com o coração palpitante, com a consciência de que algo importante se passa. Acontece quando duas pessoas se calam em confidência e uma delas comenta: "um anjo passou". Se anjos têm cheiro de lírios, a verdade tem perfume branco penetrante.

Não perca seu perfume é conselho para mim. É tão fácil ir andando e deixando um rastro que se perde no caminho. Então volto lá e leio: não perca sua essência, ela é o que te dá personalidade. Pois preservo minhas raízes e floresço. Se você prestar atenção, essas palavras têm um cheiro antigo, cheiro de coisa guardada, só porque demorei para transformar o sentir em pensamento, o pensar em flor, a flor em perfume.

Agora que escrevi, aspiro o aroma de outros tempos, sinto o cheiro de dama da noite, de pequi, de café coado no frio da manhã, de poeira, de folha esmagada entre as mãos, da rosa que secou entre as páginas do livro, sinto cheiro de asfalto derretido, cheiro de bolo de fubá com erva doce, de tinta para cabelo, de chuva, de mofo, de manga verde, sinto o cheiro da fumaça dos carros e libero o cheiro amargo do medo. Depois, suspirando, sinto o cheiro de lavanda e o cheiro simples revela: estou em casa.

Inspire profundamente e sinta esse perfume. Ele tem a ver com verdade, é verde e fresco. Verdade não envelhece. Nos meus 50 anos, escolho este cheiro para chegar suavemente, de verdade. E a verdade é que gosto de poesia, de cozinha, de viagem, de sossego, de plantas crescendo no meu caminho. A verdade é que sou simples e crédula. A verdade é que tenho medo de gente que esbraveja, que conta vantagem ou que mente, e mais medo ainda de bicho bravo e de solidão acompanhada. A verdade é que muitas coisas me entristecem.

Não perco o meu perfume e ele se revela em notas doces e ácidas.