terça-feira, 31 de maio de 2016

Aquele abraço!

O velho cobertor, o eterno livro na cabeceira, o sabonete, a tolha, o mesmo espelho, o mesmo pente, o relógio marcando o tempo, a caneca de café com leite, as migalhas espalhadas pela mesa, a pressa, algumas ideias de vida diferente, o futuro do pretérito quase sempre...

Dia após dia, a rotina estabiliza a vida. Seguro-me ao que sou no mais íntimo dos meus gostos, das lembranças, dos guardados, dos aprendizados, dos valores que trago e sigo como cego que sabe ver no escuro. Dia após dia, a rotina celebra a vida nos detalhes, é a velha conhecida, a amiga confidente.

E chega um tempo em que os fatos exigem um olhar para outra direção, um tempo de novas escolhas e de caminhos diferentes. O conhecimento move-se rápido no espaço e no tempo. Ou nos movemos nesse ritmo, ou flertamos com o esquecimento. Hoje, o que me moveu foi um abraço.

A professora, sentada diante de um bom prato de comida, chamou o aluno que passava do outro lado da rua. Tímido, ele demorou a aceitar o convite para almoçar. Mais tímido ainda, foi ao buffet e se serviu de pouca comida. Depois, ficaram ali, num diálogo entre garfadas. Ela perguntando, o menino ensinando o viver dele. Tomou Coca-cola, deixou um restinho de arroz no prato, levantou-se pronto para agradecer e seguir. Foi então que ela se levantou e o abraçou. Ninguém estava preparado para aquele abraço forte, nem o menino, nem eu, nem a moça que assistia à cena da mesa em frente. Ficamos todos paralisados nesse fragmento de segundo. Então, num sorriso de dentes brancos e olhos fechados, na entrega do corpo ao movimento, eu vi uma nova expressão de aconchego.

O menino podia prescindir de comida – ele comeria o que tivesse em casa –, mas aquele abraço matou foi a fome de ser amado, de ser igual, de ser alçado. Tive vontade de abraçar. Tive vontande de chorar. Sai da sala, porque ali não tinha lugar para lágrimas. Depois, a rotina me laçou e segui o ritmo dos meus dias. Mas segui diferente. Amanhã, o espelho vai mostrar a lembrança do abraço e do sorriso no meu rosto mais amigo.

O menino chegou chamando-a de tia e saiu dizendo: "Até amanhã, Professora". E a lição foi de generosidade.