segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A casa bagunçada

O ano já ia pelo meio e nada decolava. Aliás, só o namorado (o que não foi tão ruim assim). A saúde exigia cuidados, o melhor trabalho foi cancelado, o dinheiro ficou escasso... Nem reza brava adiantava. Uma amiga, vendo a situação inglória, indicou-me uma consultora de feng shui. Por que não? “Pior do que está, não pode ficar” – foi o que pensei.

Mas ficou. Já na entrada, a moça não gostou da minha casa. A porta principal era numa diagonal impensável, a disposição dos móveis impedia a circulação da energia (ch’i), áreas importantes do ba-guá simplesmente não existiam na planta rabiscada diante dos meus olhos incrédulos.

Uma semana depois, ela voltou com o diagnóstico definitivo e boas notícias. Eu podia resolver o problema da entrada, bastava usar – eu e todo mundo – a porta da cozinha, levar a geladeira para a área de serviço (só não sabia o que fazer com a máquina de lavar), pendurar um sino de vento na janela da sala, afixar hexagramas nos armários, encher uma taça d’água e colocar ao lado da cama com três pedrinhas... A lista era imensa.

Eu cumpri quase todas as tarefas, porque sou boa nisso. E esperei. Não sentada, porque cansa. Continuei trabalhando, criando, acreditando e, principalmente, entrando pela porta de serviço.

Um mês, dois meses, três... E alguma coisa começou a mudar. Não, muitas coisas mudaram. Comecei a ficar com raiva toda vez que entrava pela porta da cozinha. Comecei a me irritar com o barulho dos sinos. Enchi o saco de trocar a água das pedrinhas. E o sal grosso na sala de visitas, que esqueci de mencionar, transformou-se em obrigação de limpeza. Essa não!

Sou crédula, mas não sou boba. Resolvi conferir o  diagnóstico, fiz outras consultas na internet e era isso mesmo. A profissional tinha sido competente na análise. O que fazer? Mudar de casa? Não mesmo! Sentei-me um dia no centro da sala, respirei fundo, fechei os olhos e pensei no que me faria bem. Meia hora depois, eu já sabia.

Voltei alguns móveis para o lugar de origem, retirei outros, passei com passo firme pela porta da frente, deixei a geladeira na cozinha, coloquei o sino do lado de fora, comprei flores frescas para a sala, dei lugar para plantas, aromatizei a casa, abri as janelas, iluminei meu espaço, espalhei fotos pelos cômodos... Era como se eu mandasse um recado pra sorte (ou azar, sei lá!): “Quem ocupa este espaço sou eu e vou em frente.” Fui.

Mentira. Estou indo. Só que, agora, bem-acompanhada, com disposição, otimismo e coisa e tal. Só falta um detalhe: alguém aí conhece técnicas para ganhar muito dinheiro que não seja muuuuiiiito trabalho e que não bagunce a minha casa?

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Por uma gota

Hoje, 21 anos depois de abandonar o ofício de cigana, sinto-me quase em paz com os meus pedaços – ou papéis. Vai chegar uma hora em que direi para mim: “Agora, sossega. Está tudo aí, a menina, a estudante, a cigana, a publicitária, a namorada, a andante sem rumo...” Dizer isso e não ter medo das consequências, porque, definitivamente, só assim eu serei inteira. E grande.

Consciente disso e na tentativa de perceber todas as evidências, outro dia, resolvi voltar aos florais. Sim, eu tomo floral de tempos em tempos. O que é outra história. E já que eu tenho tempo, vou contar.

Comecei numa época louca, de muito trabalho, muita animação, amigos em volta, natação todo dia, meditação e, como pano de fundo, um desejo de definição. Isso atormentava. Então, quis sair do forward e apertar o pause. Indicaram-me um profissional chamado Marcos Guião. Achei o máximo. Quem não acharia? O aumentativo dava o maior poder ao cara.

Não sei bem porque o procurei, já que sua especialidade era fitoterapia. Mas foi ele, sim, quem me receitou o primeiro floral. Não me lembro das essências da fórmula, apenas de uma: Impatiens glandulifera. Todo mundo que eu conheço – que toma floral – já se defrontou com essa essência, indicada para os irritáveis, inquietos, intolerantes, frustrados e tensos com situações que não ocorrem na velocidade que gostariam e como gostariam. Parece feio, mas todo mundo tem dessas coisas (Ok, isso eu aprendi outro dia mesmo).

O final do meu primeiro vidro de floral foi trágico. Impaciente como estava, comecei a implicar com as 4 gotas 4 vezes ao dia. Estando o vidro com um pouco menos da metade, num momento mais afobado, virei o gargalo e tomei num gole só. Depois, esperei por um fenômeno como do marinheiro Popeye, esperei uma apoteose, esperei que, num efeito potencializado, eu me tornasse uma Super-Iêda. É, eu disse que foi trágico e foi mesmo. Ser ridícula é uma tragédia.

Não sou mais assim, tá bom? Tenho muitas horas de terapia. Já tomei vidros e vidros de florais, gota por gota. Agora, quando percebo um descompasso, paro, sinto, pesquiso nas vísceras, nos sonhos, na fala e mando aviar minha própria receita. Claro, eu prescrevo. Dá certo.

O último tem nove essências. E estar escrevendo aqui é sinal de que funcionou. Jamais me exporia tanto se não fosse a Mimosa Puddica, uma essência indicada para “aflorar os aspectos da alma relativos à coragem e à confiança, a virtude oposta ao medo, a fé que o indivíduo precisa cultivar” (copiei daqui). Eu acredito e acho lindo. É o meu sossego numa gota...

Minha história com floral é essa. É claro que não acredito que resolveu a minha vida, mas acho que a tornou, no mínino, mais pausada. Cada vez que pingo uma gota, o meu pensamento vai para mim. E esta é a mágica: eu entro em foco!

Por fim, confesso: quando a dor aperta, tomo Neosaldina. E não se fala mais nisso.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Minha vida cigana

Quando foi que tudo começou? Quando foi que eu comecei a me interessar pelas questões existenciais – e porque não dizer, místicas? Quando trouxe simpatias para a minha vida e quis adivinhar o que haveria na próxima esquina? Difícil saber. Lembro-me de um tempo zen em que tudo era mais simples. Pode ser que não conte, porque eu era uma menina. Só que uma menina com cara de cigana – foi o que me disseram. Para fazer jus à semelhança, li uma matéria sobre quiromancia. Nunca mais me esqueci do significado de cada linha.

Anos mais tarde, descobri que essa lembrança poderia me render algum charme e – porque não dizer? – dinheiro. Foi uma época profícua. Li muitas mãos no botequim que frequentava após as aulas na faculdade. Não contava para ninguém que tudo era inventado – era isso que eu pensava –, mas sempre dizia, num tom sério e cheio de mistério: é brincadeira.

Com o diploma na mão e sem emprego, profissionalizei a cigana. Primeiro, num restaurante natural, frequentado por pessoas muito bacanas e, na minha opinião, muito zen – o Mandala. Achava, com razão, que seriam mais simpáticas ao meu ofício. Foram. Vestida de cigana estilizada, li centenas de mãos.

Depois, fui para o La Taberna, um bar de inspiração espanhola onde havia apresentação de dança flamenca. Ali, eu podia cobrar caro e cobrava. Mas o que mais me encantou foi a dança. Naquele ambiente, eu era uma cigana. Queria dançar, falar aquela língua, vestir aquelas roupas, soltar aquele grito. Então alguém me disse: “Tem que fazer despacho, agradecer a cigana que te acompanha.” O grito foi outro: Credo!

Assim, chegamos ao final e ao aspecto menos charmoso: o medo. Lidar com o desconhecido dá medo. Além do mais, eu pensava: “E se tudo for um blefe? E se alguém não gostar?” Isso jamais aconteceu. Mas a possibilidade estava lá. O pior era ser procurada por pessoas que eu não imaginava de onde iam surgindo. O telefone não parava e quase virei uma orientadora espiritual. Nada a ver com meu potencial. Fui salva por Maria, que se divertia como minha agente. Era ela quem dizia para os insistentes que eu estava num retiro espiritual. Foi o fim.

Retomei as rédeas da minha vida, rezei um Pai Nosso e um Ave Maria pra cigana e me tornei redatora. Nunca mais li uma mão seriamente. E nem adianta pedir. Leio uma linha aqui, outra ali, escondo alguma coisa, deixo pra depois... Por quê? Sei lá. Para mim, basta o jeito de cigana. Não acredito muito nessa história de linhas que desenham uma vida. Mas, cá pra nós, é como a história das bruxas: que elas existem, existem.

Para se aventurar por outras linhas, clique aqui

Múltiplas escolhas

Sou católica. Sobretudo, sou curiosa. Por isso, já frequentei centro espírita, reunião budista, vou à missa... A minha questão é de múltipla escolha. Dou as caras aqui, ali e vou trazendo um pouco de cada experiência. Das escolhas que fiz, o maior mico foi na umbanda.

Fui chamada por um amigo querido, o Arnaldo. Ele afirmou com tanta ênfase o valor de uma consulta com o Sete Trancas que eu deixei de lado o medo e aceitei o convite. O lugar era estranho e ainda tive que esperar bastante para ser atendida. Na hora da consulta, um conselho apenas e dito com braveza: “A moça tem que estudar”. Então tá...

Mas a experiência não acaba aí. Havia todo um ritual a que eu deveria assistir. Estranhei o cheiro, a movimentação, o aparato, não sabia o significado de nada e achei melhor sair. Fui para fora, me postei ao lado da porta, até que uma moça simpática veio me conduzir de volta. Segundo ela, a pior escolha era ficar ali.

Voltei e comecei a achar interessante o ritual. Moças vestidas de branco, dança, colares, cantoria, tambores... De repente, um alarido: “Odara baixou!”. E eu pensando: “Meu Deus, o que é isso?” Era homem e era Odara. Dançava, girava, recebia flores, champagne, bons tratos. Todos queriam uma rosa de Odara. Todos não. Encolhida no meu assento, não ousava olhar pra frente. Ela rodava e entregava rosas. Por fim, restou uma e um gole de champagne. Eu só queria saber por que aquela gente queria tanto a rosa. Pensava nisso, olhando para os lados. Eu não estava ali.

Mas – céus! – lá vinha ela. Não era possível. Para mim não, para mim não... Era. Recusei com o sorriso de quem recusa canapé em final da festa. “Ooooohhh”, foi a resposta da platéia. Arnaldo me salvou, dizendo para eu ficar com a rosa. Fiquei, mas recusei o champagne.

No final, esperei todos sairem e entreguei a rosa para uma moça de branco, pedindo que colocasse no altar. Pelo susto dela, percebi a heresia. Estava feito. A caminho de casa, fui informada que a rosa era um patuá poderoso. Tarde demais.

Dias depois, um amigo, vindo de Salvador, falava comigo quando, de repente, começou a falar mais grosso. Era ele, mas não era. Se é que vocês me entendem. Ele foi logo dizendo que eu não tinha de me meter com o que não conhecia. Finalizou: “A ignorância foi o seu pecado”. Recado dado. E mico bem-pago.