quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Chegadas e partidas

Soa o apito e os passageiros se agitam. Com ou sem bagagem, preparados ou não, em êxtase ou entediados, ouvem o trem anunciar a partida. Não há tempo para despedidas.

– Senhores passageiros, ocupem seus lugares!
A frase, a mesma de todas as estações, soa como ordem ou convite, conforme a disposição.

E lá se vão os passageiros. É gente entre gente. Multidão, coletivo de olhares, de gestos condicionados e esbarros. Multidão, eufemismo para anônimos, condição dos passageiros. Juntos no mesmo trem, prontos para seguir.

Os curiosos sentam-se à janela e olham. Lá fora, há uma paisagem diferente, há a cena em movimento. Esses não medem distância nem tempo, não pensam onde vão chegar, apenas aproveitam. Oh, viajar pode ser tão estimulante!

Os assustados, aqueles que temem o destino, encolhem-se graves no assento. Há muita incerteza a esconder. Já os presunçosos se agitam, questionando a existência do maquinista, dos trilhos e do trem. Depois, assentam-se altivos como líderes. Só não se sabe líder de quê.

Há os que se divertem. Circulam pelos corredores, arriscam-se, encenam um show e contam casos, falam de outras bagagens, de outra gente, de outros lugares, inventam histórias fantásticas e, no final, aguardam os aplausos. Essa gente teme o descaso.

Há moças tímidas, senhoras distintas, senhores oficiais, homens de bem, homens do mal, há meninos esquecidos, jovens esquisitos, bonecas antigas, idosos aflitos... Há passageiros muito interessantes nesse trem.

Olho em volta e percebo o vagão em que estou. Há gente nova por aqui. Ainda me ajeitando no assento, entristeço-me, porque algumas pessoas não embarcaram comigo. Nem tive a chance de me despedi. Mas a viagem me emociona tanto que, depois da curva, recomponho-me com entusiasmo. Percebo que está tudo certo, cá está a minha bagagem. Trago-a grande e preciosa. Embalei para viagem as lembranças todas, o que foi realizado, o que aprendi, os sonhos antigos e, claro, dei bom espaço para os novos.

Talvez, você que me lê agora, esteja no mesmo vagão desse trem. Então, veja, eu sou a moça ao lado, aquela que olha para fora e vê possibilidades adiante. Sou aquela que escreve num papelzinho o destino, para não esquecer que viajar é outra história.

Antes que o trem nos surpreenda com outra estação, antes que nos separe e convoque para um novo embarque imediato sem que possamos dar adeus num abraço, vamos nos sentar aqui e trocar confidências, vamos somar descobertas, vamos aprender a verdade de que a viagem ainda não chegou ao fim.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Desafio II - Por quê?

– Sim, foi um sábado inteiro – respondi sorrindo para os amigos impressionados com meu ar de cansaço.

Mas a ocasião festiva não permitia que eu me estendesse em explicações e, se permitisse, eu certamente não teria a clareza que tenho agora.

Agora eu sei que não foi só um sábado de silêncio e busca. Não foi só um sábado de mente quieta, espinha ereta e coração tranquilo. Não foi só um sábado de atividades desfiadoras. Descobri, algumas horas depois de chegar em casa, que foram muitos sábados. Naquele sábado, meus sábados se integraram. Estavam ali todos os sábados em que andei sem rumo,  todos os sábados em que perguntei e não tive resposta,  todos os sábados em que me senti magoada, frustrada, ferida, incompreendida, injustiçada. Estavam ali todos os sábados, domingos e segundas-feiras, todos os dias da minha vida. Dias alegres também, dias de conquistas, dias de orgulho, vaidade e cobiça. Estavam ali meus atos, bons e maus pensamentos, estavam ali, sobretudo, meus sonhos e desejos mais profundos. Quando se mexe com a vida, é com ela toda que se mexe, é com a bagagem, com a memória, com o corpo, com a alma, com a história.

De um jeito muito especial, delicado e sutil, no Tantra, encontro promovido pela ABAKY, a minha vida foi mexida. Agora, eu inteira sinto isso. Quando  estava sentada diante da moça que seria minha parceira de meditação, não imaginava que seria uma desconhecida a me estender as mãos e compartilhar comigo a descoberta de que eu aguento um grande esforço mais do que penso, de que me comovo profundamente com o outro e de que acredito em mudanças que dispensam explicações lógicas.

Jamais imaginei que seria capaz de meditar por uma hora inteira, mantendo os braços estendidos à frente, enquanto sustentava as mãos de outra pessoa entre as minhas mãos. Jamais imaginei que não me levantaria, imprecando desaforos de rebeldia contra o gesto de muito esforço e pouca lógica. Também não pensei que colocaria o meu dedo na testa de uma estranha e que sentiria bater no meu peito, como afago, a unidade universal. Por 62 minutos, meu dedo indicador pousou amoroso na fronte do mundo que eu atingi.

Será que eu preciso falar de punhos fortes se sustentando mutuamente? Será que eu preciso falar de um relaxamento profundo, tão profundo que a respiração parecia vir da infância, passar pela adolescência e vir subindo, subindo até que, na boca, saia em suspiro de reconhecimento e alívio? Será que eu preciso falar que aguentei sentada mais uma hora de braços estendidos, mais uma hora de mãos se tocando? Sim e está dito. Foi feito. Dei conta.

E, agora, relembro a outra pergunta que os amigos me fizeram: – Por quê?

Isso eu não preciso dizer. Para saber, é só ler de novo e deixar a emoção das entrelinhas te co-mover.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Desafio I - Pra que te quero?

O convite era tão tentador quanto o meu desejo de algo novo. Então, aceitei e acalentei lá no íntimo uma esperança de milagre. Ao longo de cinco meses, paguei a parcela devida como quem paga o dízimo. Pensei com humor que queria garantir o meu lugar no céu – e, aqui, céu era paz de espírito, clareza, compreensão dos caminhos e força nos descaminhos. Eu queria o tipo de experiência que costuma tornar a vida uma aventura mais digna, quiçá mais bonita. O convite era minha oportunidade.

Eu disse sim e reservei o meu lugar entre as quase 300 pessoas que se vestiriam de branco e circulariam nos intervalos pelo espaço preparado com esmero e que somava mais um trunfo: estar à beira da Lagoa da Pampulha. A cada dois anos, a ABAKY – Associação Brasileira dos Amigos da Kundalini Yoga promove o Tantra, um encontro que reúne praticantes de kundalini yoga de todo o Brasil. Ao dizer sim, eu não sabia exatamente o que esperar. Prática de yoga, meditação, palestras? Eu não sabia, mas também não questionei. Apenas confiei na intuição de algo bom.

Uma semana antes, já podia sentir alguns efeitos da minha participação. Primeiro, percebi desconforto. Quem é que gosta de arriscar-se em algo novo, quando há o aconchego dos hábitos costumeiros? Depois, percebi que a razão não deixava dúvidas, afirmando como senhora de longa estrada: eu consigo.
 
Mas não foi só a razão que orientou minha escolha e os meus passos. Foi também a intuição, aquele sentimento vago que sussurra como advinho: "vai valer a pena".

Na noite anterior, pensei mais de uma dezena de vezes no que podia esperar. No íntimo, eu me perguntava: por que inventei isso? Pra quê? Será mesmo que vai valer a pena?

Sem resposta clara, corpo e mente agitavam-se. Dormi mal, acordei diversas vezes e, se mantinha firme o propósito de ir, também permanecia a pergunta: pra quê? Respirar fundo, tocar o desejo mais íntimo e calar a mente foi o meu primeiro desafio. Venci calada a noite e a dúvida.

No sábado de manhã, vesti-me em paz. Percebi uma certa leveza nos meus gestos e era eu colocando o solene no ritual de preparo.

Foi com firmeza de propósito que cheguei e que cumprimentei a minha professora. Ao receber o  sorriso de boas-vindas, ao olhar em volta e ver beleza e paz no cenário, entendi que ali era o meu lugar.

Pra quê? Não precisava mais saber. Eu já estava vivendo algo bom e diferente. Será assim também com a vida?

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Desarrumada

Desarrumado é o que está fora de ordem, fora do lugar. Mas desarrumado é também o que não tem rumo? Sendo assim, não estou desarrumada. Sei do meu destino e estou num caminho bom. Acontece apenas que eu me mudei e mudar de casa mexe com a alma da gente.

Na mudança recente, o espaço parecia pequeno para tantas caixas. Era olhar e ver bagunça. Mas com bom senso e determinação, somados a muitas horas de dedicação, tudo se arruma. Tudo não. Algumas coisas foram doadas, dispensadas, substituidas. Elas não cabiam mais no novo ou já não serviam.

Olho para mim e penso em bagunça. As minhas caixas de intenções, sentimentos, memória, desejo e escolhas, entre outras tantas, estão expostas agora. Reviro conteúdos, faço escolhas e vou colocando tudo no devido lugar. Tudo não. Há muito o que dispensar, substituir, desapegar. Minhas escolhas mudam comigo.

O difícil é não confundir o tempo da crisálida com tempo parado, com bagunça consolidada. Há um movimento preciso e tudo segue no seu tempo. Eu acredito. É bom tirar tudo do lugar para avaliar, escolher, lustrar e, na calma do meu tempo, arrumar outra vez.

Daqui a pouco, pinto os cabelos, escolho outro esmalte, visto outras cores. E a casa vai ficar bonita.