segunda-feira, 24 de março de 2014

Bons ventos

Choveu um pouco e também aos poucos o clima mudou. O dia está cinza e eu gosto. Gosto do vento, da cor que sossega o corpo, do frio que pede acolhimento e me leva para dentro. Começo a vasculhar o baú de memórias e, entre névoas, desenha-se uma nostalgia não sei de quê, uma saudade vinda não sei de onde.

Fui para a rua e andei alheia ao mundo. Na livraria de sempre, folheei outros livros e revistas. Na hora do almoço, escolhi outro tempero. Depois, olhei para as casas, praças, para as fachadas, olhei a gente que passava, quis captar o que estava vindo à tona e descobri. O dia cinzento despertou saudades de mim.

Fiquei numa satisfação comovida, fui andando e desfiando minhas lembranças. Fui andando e tecendo com o fio fino da memória uma outra imagem do que fui. Já vivi muitas vidas nesta vida. Fui muitos personagens diferentes, frequentei muitos palcos, contracenei com uns e outros. Hoje, descobri que gosto de cada ato que vivi. Como quem vai ao teatro e se comove, fiquei comovida. E se houve aplausos, fui eu mesma que aplaudi.

Deve ser porque está ventando lá fora e o vento fala de outros cantos. Deve ser porque o outono está chegando na minha vida e anuncia um outro tempo. Deve ser porque me arrisco a encarnar outro personagem. Deve ser porque tudo não passa mesmo de entrar e sair de cena. Deve ser porque ainda tenho medo e acho bonito falar manso e contar histórias para não assustar a menina em mim. Deve ser isso que eu fiquei quieta e quase feliz.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Histórias que invento

Penso em dizer algo, penso em confidenciar algum segredo, mas desisto e logo percebo que até na desistência eu me comunico. O meu silêncio, espécie de ausência, desperta perguntas: "Nada há de novo? Anda ensimesmada? Refestelou-se no sofá?" É assim mesmo, há comunicação no que se lê e no que não há para ler.

Hoje, escolho outras palavras, frases mais curtas, talvez, que poupem tempo, para que alguém se aventure comigo a decifrar meus enigmas. Por um desses acasos da vida, achei você. Então, digo que acordo cedo – mais cedo do que posso e mais tarde do que gostaria. Gosto das manhãs de luz clara e fria. Sinto-me viva, renascida, despontando cheia de esperança para o novo. E se medito, é porque coluna ereta e mente quieta mudam mesmo a minha perspectiva da vida e do mundo.

Hoje, as palavras desentranham confidências e vejo que, nessa história, cabe algo de caos, cabe algum equilíbrio, muita busca e o desejo profundo de aprender. Por vezes, sou assim, meio calma. E se sempre começo a meditar pensando no relógio, achando meia hora meio muito, logo fico tão deslumbrada com o bem-estar, com o que vejo e com o que não vejo, com as evidências inexplicáveis do que é mais inexplicável ainda, que relaxo e vou para dentro.

Mas também sou acelerada. De manhã, sigo rápida para a caminhada e desacelero os pensamentos. Acho tão contraditório andar, andar e não ir a nenhum lugar... Mas gosto muito disso. Por isso, ando, ouço músicas e penso em trilha. Quando a música me toca, sou personagem convincente de um filme. Adoro a sensação de ser personagem da história que eu invento.

Quer saber? Sou calma, acelerada e trabalhadeira. Mais formiga do que cigarra, mais obstinada do que convicta. Lanço-me nos afazeres com energia do rato fugindo do gato e faço, faço, faço. Essa é a tentiva de dar sentido ao caos. Viver pode ser tão caótico se não me aprumo... Não dá para só fazer. Então, penso.

Penso se faz sentido inventar frases para os outros, alimentar pessoas, nutrir, cativar e emocionar. Penso se faz algum sentido desejar todo o bem do mundo pra todo mundo. Intuo que sim e elevo meus desejos à altura desta grandeza: Somos muitos e únicos na unidade que alguns chama de humanidade. Esse é o meu sentido, essa é minha história de todo dia.

Por fim, à noite, durmo em paz. E sonho muito.