quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Dias amargos: Boldo

Arrasto a tal barra de rolagem para cima e para baixo e vou me enfastiando com as cores, o sol, a praia, o bar, a comida bonita, vou captando impressões ligeiras de eventos, férias, almoços em família, reunião com os amigos, piscina, cerveja, farra, alguma lucidez, papo sério demais, desconfio, na tela reluzente do computador, capto informação demais e de menos. Hoje, o espetáculo tornou-se mais enfadonho. Vou sair.

Vou andar e ver gente de verdade, que sobe no ônibus, tropeça e encharca o sapato na poça d'água, gente cansada, carregando sacolas de não sei quantas compras, vou ver a chuva fina que acinzenta a cidade há dois dias, ver o verde limpo; vou sair e perceber os músculos e concluir que eles aguentam a subida.

Mas, lá fora, tudo rola ainda mais rápido. Os carros aceleram numa pressa de chegar a não sei que lugar, os pedestres não se olham, esbarram-se, lançam um resmungo ao ar e passam. Eu penso: quero casa. Então, aquieto-me cá, onde estou.

Quem sabe a TV? Cento e poucos canais e eu não acho nada que me atraia. Bichos, pratos bonitos, moças sem sal, ah, e os homens sérios.. Como me parecem tolos na sua ira televisiva. Rodo, rodo e percebo que tudo faz parte do mesmo jogo. Nas telas, nas ruas, no movimento, na paralisação, parece que tudo é entrar e sair, procurar e encontrar, envolver e descontrair. Mas não é verdade. Não há dentro, há superfície; não há descontração, há desconcentração; não há informação, nem conhecimento, há engodo.

Tudo bem, acordei inquieta num dia cinza. Amanhã, qualquer bobagem me seduz. Hoje, tudo o que quero é um copo de boldo, certa que estou de que o amargo deixa a gente mais doce.