terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Quando a vida é uma festa!

Reinaldo disse: “Há amigos da sala e amigos da cozinha”. Entendi perfeitamente o significado disso, pois estávamos em volta da mesa e falávamos sobre a alegria de receber os amigos e servir uma boa comida. Melhor ainda quando vamos preparando, enquanto os outros bebem e conversam sem compromisso. Nessas ocasiões, há que ter riso e música para dar o ritmo.

Amigos da cozinha são aqueles que abrem nossa geladeira e se servem sem cerimônia, são aqueles que provam o tempero e dão palpites, são aqueles que não se incomodam com a bagunça nem se limpamos a área a todo momento. Amigos da cozinha são aqueles que relembram pratos de outros tempos, porque amigos da cozinha, de verdade, estão com a gente não é de hoje, são amigos de muitos anos. Mas, amigos da cozinha também podem ter chegado há pouco e, ainda assim, parecer já ter andado uma vida com a gente.

Neste final de ano, tive várias oportunidades de estar entre amigos da cozinha e todas foram como no filme A festa de Babette, não tivemos medo de nos deleitarmos com o prazer terreno de comer e saimos mais felizes. Falarei das três ocasiões em que a vida foi uma festa.

FESTA ENTRE NÓS
A primeira festa foi de um grupo de amigas, o Entre Nós. Durante todo o ano, nos encontramos uma vez por semana para costurar, bordar, tecer e, sobretudo, conversar, compartilhar experiências, sonhos e histórias. Para encerrar a temporada, nada mais apropriado do que um almoço em grande estilo. Foi. Em volta de uma mesa enorme, reunimos dez mulheres e dois homens (companheiros que vieram somar sabor e graça. Um deles preparou o bobó de camarão, enquanto o outro comandava a festa como um mestre de cerimônias). Naquele dia, cada uma levou um petisco para beliscarmos antes do almoço. Uma preparou abobrinha em conserva que estalava ao ser mastigada e enchia a boca com um sabor de azeite e tempero suave. Outra levou pastelzinho da Pastelaria Marília de Dirceu que dispensa comentários, é bom e ponto. Saboreamos um ótimo queijo parmesão cortando-o em lascas e deslizando uma boa porção de geléia de jabuticaba, que fazia uma festa de contraste doce com salgado e amarelo pálido com vermelho escuro. Houve quem se aventurasse a preparar o petisco na hora, servindo-nos um guacoamole em chips de milho, creme macio e base crocante em harmonia picante. Ali, amigas reunidas, cortamos frutas, inventamos combinações, fizemos salada e, depois de nos fartarmos com essas delícias, distribuimos presentes. Rimos com a mise-en-scène de cada uma na hora de revelar a amiga oculta. Parece uma coisa chata? Só para quem está de fora. Na hora do almoço, a pimenta malagueta era espremida num canto do prato e misturada com parcimônia ao creme de consistência ideal que resultou da mistura de mandioca, tomate, cebola, cheiro-verde e camarão. No final, dançamos felizes e só faltou nos darmos as mãos e brincarmos de roda, como no filme Babette. É uma felicidade participar de uma festa assim.

FESTA DA PAELLA
Outra ocasião que deixou boas lembranças foi na minha casa, quando reuni alguns amigos para uma despedida antes de viajarmos no Natal e ano novo. No cardápio, casquinha de siri e paella. Os preparativos começaram um dia antes. Eu e Rogério compramos – com a ajuda de todos – frutos do mar selecionados, o que exigiu idas a diversos supermercados e peixarias. Limpamos cada camarão com paciência zen – que eu tenho mesmo. No dia da festa, cortamos tomates, cebola, cheiro-verde e pimenta, caprichamos no preparo de cada ingrediente: lulas em anéis, polvo em generosos pedaços, peixe em cubos, mariscos ao vinho, um pouco de gengibre (invenção que caiu bem), lagostim aferventado ligeiramente... Tudo preparado, levamos as casquinhas de siri ao forno e aguardamos os amigos. Sendo um prato que mistura os mais diversos ingredientes, a paella parece ter inspirado a lista de convidados. Reuni amigos de diferentes rodas, com profissões distintas e a mistura foi bem-sucedida. A festa foi de gente com personalidade forte, bem-resolvida, engraçada, amorosa e companheira. A conversa foi animada e pessoas que acabavam de se conhecer contavam casos como velhos conhecidos. Entre os convidados, havia quem nunca tinha ido à minha casa, mas, como bons amigos de cozinha, souberam encontrar a geladeira e até o banheiro da área de serviço na hora da necessidade; e havia quem nunca falta na lista, são os amigos do tipo cadeira-cativa. Para todos, fiz uma pequena lembrança, saquinho de ervas para banho e pimenta em conserva. Escrevi num bilhete o meu agradecimento e a minha alegria de celebrar a vida juntos. A grande surpresa foi ouvi-los lendo em voz alta, como num jogral – êta coisa antiga. Confesso que chorei e não foi pouco. Emoção sob controle, era hora de preparar a paella. E foi preparada sob flashes. Cada ingrediente acrescentado na enorme panela nos encantava mais e exigia uma foto. Nunca tinha feito paella e, por isso, depois de servir, observei atenta o rosto de cada pessoa que levava a primeira garfada à boca. Por fim, respirei aliviada, porque a expressão que se seguia era de satisfação. Sei que bolo de chocolate não era a melhor opção de sobremesa, mas já estava pronto e eu optei por não ter mais trabalho. De uma coisa estou certa: meus amigos gostaram. Quando nos despedimos, voltou aquela sensação de que no clip da minha vida teria, obrigatoriamente, cenas dessa festa. Resta dizer que, no dia seguinte, abri a geladeira para ver se a sobra daria para o almoço. Não deu, o que atesta o sucesso do prato. Provei que misturar humor, perspicácia, bons argumentos, carinho, atenção e bom tom com inteligência, cumplicidade, integração, ajuda preciosa e falas pertinentes dá bom resultado. E o amor foi o melhor tempero desse prato. 

FESTA DE NATAL
O Natal é festa familiar e eu faço questão de estar com minha família nesse dia. Este ano não foi diferente, fui para Montes Claros e, fora o calor quase insuportável, a festa foi na medida certa. Reinaldo, aquele que falou sobre os amigos da cozinha, é meu cunhado e ele parece ter previsto como seria o nosso Natal. No calor da cozinha, reunimo-nos para preparar os pratos. O forno ligado para assar o pernil desde as 14:00 horas, colaborou para elevar ainda mais a temperatura, mas isso não diminuiu o ânimo. Eu cortava, minha mãe temperava e comandava o preparo, outro cunhado preparava sua receita consagrada de bacalhau, uma irmã providenciava ingredientes lembrados na última hora, a outra fez as compras no dia anterior e enviou-nos uma assistente. Preparar e cozinhar em equipe dá outro sabor à festa. Cada um ali, na hora em que, já vestidos e perfumados nos reunimos em volta da mesa, sabia que foi importante para que tudo fosse como estava sendo: um momento de amor e solidariedade. Isso combina muito com o Natal. Recebemos visitas inesperadas, o que também foi bom, pois somou histórias e reduziu as sobras. Também distribuimos presentes e eu adoro esse momento, não importa o que ganho. Gosto da troca, da lembrança. Fomos dormir tarde e cansados, mas satisfeitos. Naquela noite, houve uma festa de afeto.

A propósito, Reinaldo diz que amigos da sala são aqueles que chegam e, após conversas superficiais, vão-se embora. Traduzindo: são aqueles para quem precisamos “fazer sala”.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

No ar que eu respiro



Aspiro o aroma e viajo no tempo. Vem de muito longe as lembranças que o cheiro de lavanda desperta. Revivo sensações e sentimentos bons. Mais do que isso, todo o meu ser responde com relaxamento, paz e serenidade. Às vezes, o coração acelera e a pulsação aumenta, é quando aflora a emoção da descoberta amorosa. Aromas tem essa propriedade, acessam canais diversos, são portas que se abrem para uma percepção mais sutil, mudam o astral, carregam uma energia de transformação.

Li em algum lugar que o aroma aspirado atinge a parte anterior do cérebro, responsável pelo ajuizamento das coisas e pelo comportamento emocional. Atinge também o lobo temporal, receptor emotivo, e o hipocampo, gerenciador da memória de ocorrências, mas que possui também um importante papel no controle dos estados afetivos. Dá para perceber que o cheiro atinge o centro das emoções e é ali que resgata história e estimula novas buscas.

É por isso que não dispenso um cheirinho. Velas perfumadas, réchaud, essências, pout pourris, incensos, aromatizador de ambientes, vale tudo. Gosto tanto e acho que tornam o ambiente tão mais leve que vivo presenteando os amigos. Foi por isso também que, numa ocasião, comprei um réchaud para uma amiga. O presente foi acompanhado de uma essência e velas. Bastava colocar água e gotinhas da essência, acender a vela sob o réchaud e aproveitar. Parece simples e assim foram dadas as instruções. Ocorre que ela não colocou água. Um minuto depois o ar estava carregado, o cheiro espalhou-se por uns dois andares e ela teve que se explicar com a vizinhança que questionava: “Que cheiro é esse?” Comigo, ela foi categórica: “Aquilo fede!” Por precausão, agora detalho mais as instruções.

Acredito mesmo que a aromaterapia funciona. Eu só não sei porque nunca me lembro de aspirar umas gotas de lavanda quando estou com os nervos à flor da pele e acabo sendo grossa com os incautos que atravessam meu caminho, como a moça do telemarkting. Seria mais simpático aspirar uma essência e não levar a vida tão a sério.

Agora relembro cenas de novelas em que a protagonista rica e chiliquenta desmaia e alguém vem com um vidro de sais. Acho que nós, simples mortais, merecemos este luxo. Acredito nessa espécie de luxo e riqueza que é feita de serenidade, bons sentimentos e paz.

Por falar em riqueza, quem nunca entrou numa loja perfumada e se sentiu imediatamente à vontade? Entrar numa loja chique, dessas que investem numa essência especial, deixa a gente se sentindo rica, feliz e muito propícia a gastar mais do que devia. Às vezes vale a pena.

Enfim, para um ano novo, no mínimo, mais perfumado, segue a lista para aspirar.

Alecrim - Revigorante, age positivamente sobre o esgotamento físico e mental. Deve ser usado durante o dia, pois é estimulante e pode tirar o sono. Seu aroma combina com ambientes de trabalho, pois sua característica energética beneficia a persistência no alcance de metas. É um ótimo antídoto contra o estresse.

Eucalipto - Tônico e estimulante, evoca uma sensação de liberdade e leveza.

Lavanda ou Alfazema - Óleo número um no combate ao estresse e às tensões nervosas. Excelente no tratamento da insônia: basta uma gota no travesseiro para que seus efeitos sejam sentidos. Combate a ansiedade e a depressão.

Laranja - É equilibrante e harmonizador.

Para saber mais, clique aqui

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Zé e o zen



Imagino que ele chega com o coração disparado. A dúvida de que dará ou não conta do recado o aflige. Então um olhar em volta traz a paz necessária e ele deixa a resposta para o tempo. Isso significa entregar-se ao momento.

Imagino que, no dia seguinte, ele acorda às 4:20 da manhã e se dirige para o espaço onde permanecerá sentado, em posição de lótus e com a coluna ereta durante 30 minutos. Senta-se e tenta desconcentrar-se, enquanto o pensamento vai da pessoa que se agita ao seu lado para o silencioso pulsar da sua própria respiração. No instante seguinte, uma dor desvia sua atenção. Ela desliza pela coluna, indo instalar-se na região lombar. Bastaria uma ligeira inclinação e o alívio viria. Mas ele quer resistir. O ar sai suave pelas narinas e é assim que ele expulsa o medo. Aí, a dor vira outro pensamento: “medo de quê?” Antes que se fixe, já outro pensamento vem: “Estou mais leve.” Assim, em pensamentos curtos e atitude alerta, passam-se os minutos. O tempo não se fixa, é preciso ir além do passado e escapar das armadilhas do futuro. "Estou aqui e agora" – pensa. Este instante é o que importa e nele não cabem críticas ou julgamentos. Lá está ele, não há fuga. Respira e espera. O sino avisando o final da prática não toca. Ele quer ouvir o sino. Oscila, reequilibra-se, pensa em relaxar as pernas. Ele vai além dos limites. Enfim, ouve o sino e se levanta como um guerreiro que venceu a si mesmo.



Não tão depressa. Agora, é preciso meditar em pé, seguindo no vagar do pensamento. Mãos se apoiando em frente ao diafragma, ele respira e dá meio passo. “Para onde vou?” Não espera resposta. Ele está ali por escolha e, então, volta seu olhar para o vazio pleno.



No retiro que eu imagino, ele sai da sala e se envolve em trabalho, refeições, recitação de sutras e momentos livres, sempre tentando estar atento ao momento presente. O dia passa e o coração se aquieta. Uma tranquilidade insuspeita instala-se. Não tem mais volta. Às 21:00 horas, com o sinal de silêncio e recolhimento, encerram-se as práticas, apagam-se as luzes e ele vai dormir na paz dos que começam a iluminar o lado de dentro.

O personagem é o Zé, meu amigo, e as cenas que imagino foram baseados num relato que carinhosamente recebi junto com as fotos. No último final de semana, Zé participou de um retiro num mosteiro zen. Pedi para que desse notícias. Foram dadas. Ao lê-las, meditei também – ao meu modo – para conseguir traduzir que busca é essa e o que nos move.

Fui longe. E vou novamente. Vou ao século XVII, para fazer do pensamento de Descartes o meu ponto de partida. Descartes afirmou que uma consciência clara do pensamento prova a própria existência: “Penso, logo existo”. Ele acreditava que uma pessoa não deveria buscar respostas baseadas na fé e, sim, na suspeita.

Eu também acreditei. Aliás, acreditei em muitas “verdades” que li. Quem era eu para duvidar de Descartes? Aos poucos, vou aprendendo que sou um ser investigando e, como tal, tenho todo o direito de duvidar ou de buscar outras respostas se o vazio persiste.

Fechei os olhos e me ouvi com sincero interesse. Decifrei o enigma: eu não quero apenas as respostas do mundo, porque as perguntas mais difíceis são as que faço a mim mesma e, estas, somente eu posso responder. Muito antes do que eu concebo como antes, essas questões estão presentes e a resposta vai muito além do racionalismo ocidental.

Zé também está descobrindo isso. Não foi por acaso que ele optou pelo Budismo Soto Zen, que é o budismo do aqui e do agora, do zazen. Ele sabe que essa escolha é uma resposta.




“Estudar budismo é estudar a si próprio.
Estudar a si próprio é esquecer de si próprio.
Esquecer de si próprio é estar uno com todas as coisas.”
(Mestre Dogen, patriarca que introduziu o Budismo Soto Zen no Japão no século XIII)

Dou espaço para outras palavras desse aprendiz de si mesmo:  
“Sabe quando você não espera por uma coisa e, de repente, se dá conta de que é mais simples do que imagina e é tudo o que você precisava? A minha vida ficou bem melhor!”

Mas nem tudo é tão bonito assim. É preciso ter perseverança. Faço Zazen por 30 minutos diariamente e continuo tendo vários incômodos no corpo e na mente. Um dia, você não sente incômodo algum. Aí, pensa: “Consegui, não vou sentir mais dor.” No dia seguinte, lá vem ela.

Resumo da história: as percepções vão mudando, as dores também e cada dia é como se fosse um novo começo. Como, aliás, deve ser.”


Digo apenas: “Au revoir, Descartes!” Para mim, a lógica do mundo não consegue explicar sozinha o que experiências como as do Zé revelam. Elas são uma opção pelo caminho que leva ao centro do Ser, lá, onde brotam as respostas que mais importam. Uma amiga me disse que, no budismo, um grande desafio é romper a escuridão fundamental. Estou certa de que a luz necessária vem de dentro. É ou não é, Zé?