terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Zé e o zen
Imagino que ele chega com o coração disparado. A dúvida de que dará ou não conta do recado o aflige. Então um olhar em volta traz a paz necessária e ele deixa a resposta para o tempo. Isso significa entregar-se ao momento.
Imagino que, no dia seguinte, ele acorda às 4:20 da manhã e se dirige para o espaço onde permanecerá sentado, em posição de lótus e com a coluna ereta durante 30 minutos. Senta-se e tenta desconcentrar-se, enquanto o pensamento vai da pessoa que se agita ao seu lado para o silencioso pulsar da sua própria respiração. No instante seguinte, uma dor desvia sua atenção. Ela desliza pela coluna, indo instalar-se na região lombar. Bastaria uma ligeira inclinação e o alívio viria. Mas ele quer resistir. O ar sai suave pelas narinas e é assim que ele expulsa o medo. Aí, a dor vira outro pensamento: “medo de quê?” Antes que se fixe, já outro pensamento vem: “Estou mais leve.” Assim, em pensamentos curtos e atitude alerta, passam-se os minutos. O tempo não se fixa, é preciso ir além do passado e escapar das armadilhas do futuro. "Estou aqui e agora" – pensa. Este instante é o que importa e nele não cabem críticas ou julgamentos. Lá está ele, não há fuga. Respira e espera. O sino avisando o final da prática não toca. Ele quer ouvir o sino. Oscila, reequilibra-se, pensa em relaxar as pernas. Ele vai além dos limites. Enfim, ouve o sino e se levanta como um guerreiro que venceu a si mesmo.
Não tão depressa. Agora, é preciso meditar em pé, seguindo no vagar do pensamento. Mãos se apoiando em frente ao diafragma, ele respira e dá meio passo. “Para onde vou?” Não espera resposta. Ele está ali por escolha e, então, volta seu olhar para o vazio pleno.
No retiro que eu imagino, ele sai da sala e se envolve em trabalho, refeições, recitação de sutras e momentos livres, sempre tentando estar atento ao momento presente. O dia passa e o coração se aquieta. Uma tranquilidade insuspeita instala-se. Não tem mais volta. Às 21:00 horas, com o sinal de silêncio e recolhimento, encerram-se as práticas, apagam-se as luzes e ele vai dormir na paz dos que começam a iluminar o lado de dentro.
O personagem é o Zé, meu amigo, e as cenas que imagino foram baseados num relato que carinhosamente recebi junto com as fotos. No último final de semana, Zé participou de um retiro num mosteiro zen. Pedi para que desse notícias. Foram dadas. Ao lê-las, meditei também – ao meu modo – para conseguir traduzir que busca é essa e o que nos move.
Fui longe. E vou novamente. Vou ao século XVII, para fazer do pensamento de Descartes o meu ponto de partida. Descartes afirmou que uma consciência clara do pensamento prova a própria existência: “Penso, logo existo”. Ele acreditava que uma pessoa não deveria buscar respostas baseadas na fé e, sim, na suspeita.
Eu também acreditei. Aliás, acreditei em muitas “verdades” que li. Quem era eu para duvidar de Descartes? Aos poucos, vou aprendendo que sou um ser investigando e, como tal, tenho todo o direito de duvidar ou de buscar outras respostas se o vazio persiste.
Fechei os olhos e me ouvi com sincero interesse. Decifrei o enigma: eu não quero apenas as respostas do mundo, porque as perguntas mais difíceis são as que faço a mim mesma e, estas, somente eu posso responder. Muito antes do que eu concebo como antes, essas questões estão presentes e a resposta vai muito além do racionalismo ocidental.
Zé também está descobrindo isso. Não foi por acaso que ele optou pelo Budismo Soto Zen, que é o budismo do aqui e do agora, do zazen. Ele sabe que essa escolha é uma resposta.
“Estudar budismo é estudar a si próprio.
Estudar a si próprio é esquecer de si próprio.
Esquecer de si próprio é estar uno com todas as coisas.”
(Mestre Dogen, patriarca que introduziu o Budismo Soto Zen no Japão no século XIII)
Dou espaço para outras palavras desse aprendiz de si mesmo:
“Sabe quando você não espera por uma coisa e, de repente, se dá conta de que é mais simples do que imagina e é tudo o que você precisava? A minha vida ficou bem melhor!”
Mas nem tudo é tão bonito assim. É preciso ter perseverança. Faço Zazen por 30 minutos diariamente e continuo tendo vários incômodos no corpo e na mente. Um dia, você não sente incômodo algum. Aí, pensa: “Consegui, não vou sentir mais dor.” No dia seguinte, lá vem ela.
Resumo da história: as percepções vão mudando, as dores também e cada dia é como se fosse um novo começo. Como, aliás, deve ser.”
Digo apenas: “Au revoir, Descartes!” Para mim, a lógica do mundo não consegue explicar sozinha o que experiências como as do Zé revelam. Elas são uma opção pelo caminho que leva ao centro do Ser, lá, onde brotam as respostas que mais importam. Uma amiga me disse que, no budismo, um grande desafio é romper a escuridão fundamental. Estou certa de que a luz necessária vem de dentro. É ou não é, Zé?