sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Sou grata

Comecei a praticar Kundalini Yoga sabendo que traria algo novo para a minha vida. Talvez mais disposição física, mais vitalidade ou flexibilidade. Talvez um pouco mais de calma e tranquilidade. Eu não sabia que tudo isso seria apenas a parte visível de uma prática que vai muito mais fundo e, por isso, nos eleva.

Desde a primeira aula, a que cheguei muito adiantada, fui acolhida com um carinho que não imaginava encontrar. Gostei da sala ampla, da luz que se infiltrava pelas janelas, da vista para a montanha, do cheiro de flor, da acolhida, da possibilidade de ficar ali deitada sozinha. Enquanto esperava, pensei no que queria para mim daquele investimento que faria. Fiz isso pelo hábito de inventar conversas quando o medo do desconhecido me acerca.

Tinha medo de não conseguir me dobrar e desdobrar como nas fotos via nas revistas e nos sites de Yoga. Tinha medo de não gostar e frustrar minhas expectativas. Tinha medo do novo simplesmente. Aí, a aula começou e fui convidada a sentar-me em easy pose, fechar os olhos, inspirar e expirar lentamente. Aí, ouvi um som que repercurtiu suavemente e despertou algo bom em mim. Lembrança antiga, sentimento puro, outra vibração, energia? Foi a soma disso tudo. Gostei.

A aula seguiu sem sobressaltos ou poses que eu não pudesse sustentar. Foi simples. Foi respiração. Foi inspiração. Foi o início de um despertar para a percepção do corpo, do momento, do movimento. Foi o primeiro passo para a consciência individual que ainda busco e que me encanta a cada pequeno achado da prática diária.

Logo nas primeiras aulas, meus objetivos mudaram. Fui encontrando, não o que buscava, mas o que precisava. Encontrei respostas para perguntas que ainda não formulara. Sim, isso é possível. É possível dar saltos de percepção, de autoconhecimento, de crescimento e, antes mesmo de perguntar, encontrar uma resposta. Então, aprendi que não se tratava de uma experiência que se atem aos aspectos físicos, tratava-se de uma sintonia entre corpo, mente, espírito. É nisso que eu acredito.

Na minha primeira prática estendida, me desafiei a praticar o Sat Kryia 31 minutos por 40 dias. Era apenas uma iniciante e, logo nos primeiros minutos, achei aquilo um absurdo. Os braços estendidos sobre a cabeça ficavam dormentes, as pernas dobradas incomodavam, o som poderia incomodar os vizinhos... Inventei problemas, mas fui além. Aos poucos, fui me sentindo tão bem, que foi impossível interromper a Sadhana. De alguma maneira, fiquei mais forte.

Foi assim, encarando desafios e somando ganhos que participei das aulas e eventos que se destinam a aprofundar mais a Consciência Individual, de Grupo e Universal. A cada evento, sentia-me mais envolvida e, estranhamente, mais protegida. Pensava que o sentimento de proteção viesse de fora, do espaço, da proximidade com aquelas pessoas, até interromper as aulas por alguns meses e continuar sentido-me protegida. Foi quando descobri que paz e segurança vem de dentro e tem a ver com a sintonia com algo mais elevado, com o Ser Superior ou Mestre Interno.

Em três anos de prática, como qualquer pessoa, tive problemas de toda ordem, menores e maiores, mais sofridos ou menos. A grande diferença foi a forma como passei a encará-los. Não havia negação, não havia aceitação passiva, havia superação. Dei saltos no escuro e confiei que era o melhor para mim. Ainda dou e ainda acredito que sou amparada. Muitas vezes, tive que escolher perder, confiando que era o melhor. Ganhei muito com isso, apesar da dor de dizer adeus, apesar do sofrido processo de desapego.

Mas o que isso tudo tem a ver com a Yoga? Muito. Meditar, fortalecer o ponto do umbigo (que nos sustenta e nos faz mais capazes para enfrentar os desafios), manter poses desafiadoras, respirar de diferentes modos ou entoar mantras são práticas capazes de estimular e relaxar, de proporcionar saúde, trazer tranquilidade e muito mais.

Em 2014, deixei de frequentar as aulas, mas mantive a prática em casa. Não é a mesma coisa, mas, ainda assim, traz ganhos reais e perceptíveis.

A Kundalini Yoga está trazendo o melhor de mim para o mundo. Sou grata por isso.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Mudando a receita

Não sigo receitas. Pelo menos não integralmente. Sempre prometo a mim mesma seguir fielmente o disposto, desde a lista de ingredientes ao modo de preparo, mas não adianta. Quase sem perceber, vou  acrescentando um pitada disso, retirando uma dose daquilo. Poucas vezes dá errado e isso serve de incentivo, quando me pergunto, por exemplo, se uma dose de cachaça pode substituir o vinho no risoto de carne de sol.

Às vezes, mudo a receita apenas para ousar o diferente. Mas não é sempre. A maioria das vezes, mudo por curiosidade, mudo por vocação. Sendo redatora, desenvolvi o hábito de buscar um modo diferente de dizer a mesma coisa, de escrever a mesma mensagem de fim de ano todos os anos e, por profissão, descobri que sempre há um jeito de mudar, seja por uma vírgula ou um ponto.

Na cozinha, a vírgula pode ser a pitada de canela na almôndega, o ponto pode ser um raminho de tomilho no cogumelo fresco. Não tenho medo de ousar. Já errei, mas para tudo há conserto, ou pelo menos, um jeito de ocultar o erro. Um dia, fiz um bolo de morango e resolvi inclui-los na massa. Imaginei um bolo cor-de-rosa, lindo. Ficou marrom e feio. E daí? Bastou cortar o bolo em duas camadas, colocar recheio de ganache, umedecer com chocolate ao leite, cobrir com chantily e morangos e pronto: Ficou uma beleza. E gostoso.

Pois bem, chegando ao final do ano, eu me pergunto: Como vai ser 2015? A resposta é: Não sei, não faço a menor ideia, só sei que vou mudar mais um pouco a receita. Talvez eu acrescente uma boa dose de perdão, quando o coração quiser seguir leve. Talvez eu experimente amor no lugar da raiva para o afeto ficar no ponto. Talvez eu mude mais, incluindo riso, alegria e gratidão, ao invés de irritação. Espero gostar da minha nova receita e saborear a vida em colheradas.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Para o bolo ficar bonito

A amiga declarou convicta:
- Se algo der errado, você é criativa, vai dar um jeito de arrumar. No final, vai dar tudo certo.

Então, quando o bolo não desgrudou do fundo da forma, lembrei-me disso e resolvi consertar o desastre virando o bolo e colocando uma camada extra de chantily. Ficou bonito e mais gostoso.

Estar na cozinha é aprender todo dia. Vamos inventando novos modos, aprimorando o que já sabemos, vamos incorporando outros recursos, utilizando ferramentas inovadoras e o resultado é sempre diferente.

Mas tem que ter coragem, tem que acreditar nessa tal criatividade, no olfato, no paladar, tem que acreditar na intuição, no dom e até na percepção que faltou.

Quando o bolo grudou, não adiantou esquentar o fundo da forma, foi preciso dar um passo além e reinventar. Quero fazer isso na vida. Só pra ela ficar mais bonita.

E foi assim que o bolo ficou.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Comida e conforto

Triste é comer salada quando o estômago e o coração pedem carne moída, angu e quiabo. Triste é comer pão integral, quando a alma precisa do alento de um prato de mingau, seja ele de aveia, maisena ou fubá com queijo devorado em generosas colheradas. Não é todo dia, é de vez em quando e todo mundo merece um dia de descompromisso com dieta, nutrição correta ou seja lá o que que se coloca como meta.

Está difícil de engolir? Vai aí uma receita: coloque uma xícara de leite para ferver com uma colher de sopa de aveia em flocos. Acrescente mel a gosto e uma pitada de canela. Mexa até engrossar. Sirva numa tijelinha, sente-se num canto aconchegante, coloque uma música boa e curta o seu momento.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Dias amargos

Jiló na sopa, conserva de jurubeba, chá de boldo ou de carqueja... De vez em quando, o amargo dá o sabor do dia. Algumas pessoas gostam muito, juntam o útil ao desagradável e ainda fazem cara boa. Há quem usa o amargo para transformar a comida insossa em um algo mais palatável. Claro, depois de uma jurubeba, até arroz sem tempero fica bom. E há quem nem mesmo experimente. Jamais faria parte deste grupo. Posso até fazer careta e engolir rápido, mas experimento. Por vezes, até gosto, como no caso do jiló cozido inteiro dentro da sopa.

Jiló dentro de uma sopa de legumes é uma surpresa, ele intensifica o sabor dos outros ingredientes. Não fica tão amargo, chega quase a ficar adocicado, mas faz a cenoura aparecer, a batata ganhar graça, a abóbora brilhar e a batata doce se superar. Precisa ser cozido inteiro. Colocar só um pedaço atrapalharia toda a receita. Aí, sim, ficaria amargo.

Acho que tem a ver com a vida também. Nos dias amargos, tentar viver pela metade é a pior estratégia. Melhor entrar por inteiro na tristeza, na decepção, na frustração, para entender melhor, para poder sair mais forte, para saber que, no final das contas, a vida tem disso e que, apesar dos pesares, vale a pena ser saboreada às colheradas.

A vida não é sopa, mas pode ser gostosa, inclusive com os seus amargos.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Culinária afetiva

Quando eu era criança, via minha mãe cozinhar sempre apressada. Mulher assoberbada de trabalho, seis filhos, casa, cozinha, costura, ela não tinha mesmo muito tempo. Então, às vezes, solicitava alguma ajuda no preparo da comida: "lava o arroz, descasca o chuchu, cata o feijão". Sempre tinha uma tarefa e eu não sabia o quanto esse apoio era importante. Nós, as filhas, sempre reclamávamos um pouco na hora de ir para a cozinha ajudá-la. Eu me arrependo disso.

Hoje, quando cozinho, tenho a sensação de revisitar aqueles tempos, tenho a sensação de que abro arquivos e trago à tona aprendizados e descobertas que ficaram adormecidos. Foi um ganho e tanto. Adoro o cheiro de coentro – que tantos odeiam –, porque me faz voltar no tempo. Revejo minha mãe segurando com firmeza um maço de folhas verdinhas e cortando, o cheiro espalhando-se pela cozinha. É o cheio de infância, é o cheiro da menina sonhando com a transformação da carne bem temperada em alimento. Só não sabia que seria um alimento para a alma.

Aprendi a refogar arroz, aprendi a fazer carne cozida, aprendi segredos do preparo, porque minha mãe cozinhava e explicava: "não existe cozinheira boa que larga a comida na panela e não mexe". Ela ensinava como devíamos experimentar, verificar o ponto, deixar o gosto apurar antes de despejar água.

Outro dia, minha mãe me deu mais um conselho: "cozinhe com capricho, não vai fazer comida com descaso, faz como se fosse para você." Mas eu já sabia disso. Aprendi, lá nos idos da infância, vendo-a apressada, mas nem um pouco descuidada, que cozinhar exige atenção, cuidado, imaginação e, sobretudo, carinho.

Hoje, eu adoro cozinhar e cozinho com carinho. Essa é uma das heranças maternas que carrego comigo e passo adiante em cada prato que preparo na minha loja de assados.




quarta-feira, 27 de agosto de 2014

E o bolo não cresceu

Existem receitas que a gente sabe de cor. Mesmo assim, sempre olha a lista de ingredientes e algum detalhe do preparo antes de colocar as mãos na massa. Só pra ter certeza de que o bolo vai ficar fofinho,  de que a feijoada vai cozinhar por igual, a carne vai sair do forno no ponto e outras relevâncias culinárias do tipo.

Mas, um dia, a pressa fala mais alto, a preguiça conta mais, a convicção do saber dá segurança, a alegria de fazer diz que basta e, então, dá tudo errado.

Olha, a expressão "na melhor das intenções" devia valer alguma coisa para as catástrofes de forno e fogão – pra não dizer também da vida. Mas não vale nada.

Foi na melhor das intenções que fiz a geleia para rechear o bolo. Foi na melhor das intenções que deixei o chantily gelar bastante. Foi na melhor das intenções que deixei os ovos na temperatura ambiente para o creme ficar perfeito. Estava tudo certo, estava tudo sob controle, mas eu estava no embalo de tantos afazeres, que me esqueci de colocar o fermento.

O bolo foi para o lixo, o tempo foi perdido, os ingredientes usados foram um desperdício. 

Se tem uma coisa que não tem graça é dizer para quem espera uma bela obra: o bolo não cresceu.

Ainda bem que já lavei a batedeira e guardei o chantily e o recheio. Estou a meio caminho do bolo perfeito, que farei amanhã. É sempre assim, nem tudo está perdido.

E a vida tanto disso...

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Arroz queimado

É assim na cozinha, é assim em vida: um dia a maionese desanda, o arroz queima e o angu empelota. E é assim pra todo mundo. Ninguém escapa da frustração de ver uma receita considerada infalível dar errado.

Bom humor ajuda? Nem sempre. Pode ser que, um dia, você pise primeiro com o pé esquerdo.  O melhor mesmo – e ainda assim pode falhar – é o velho bom senso, que considera o tamanho do estrago e a sua importância. Porque, definitivamente, arroz queimado não tem a importância de um resfriado, que não tem a importância de uma pneumonia, que não tem a importância de uma missa de sétimo dia.

Queimou? O negócio e raspar o bom da panela e jogar fora o que não presta. Se preciso, fazer tudo outra vez.

Se não há como fazer de novo, é seguir em frente com convicção e sem culpa. No cotidiano também. Palavras ditas não podem ser descartadas, engolidas ou irem para o lixo. Vamos esquecer e seguir adiante?

Para tirar o cheiro de queimado do arroz

1- Colocar um pano de prato molhado sobre a panela, tampar e esperar um pouco.

2- Outra maneira é acrescentar uma cebola de tamanho médio cortada ao meio. O cheiro e o gosto de queimado do arroz sairão facilmente. 

sábado, 21 de junho de 2014

Magia na cozinha

Uma mágica se processa e o líquido viscoso torna-se leve, branco e fofo. É impossível não deixar o encantamento de menina fazer parte do momento. Certas coisas ficam mesmo nas retinas. Nas de Drumond ficou a pedra no meio do caminho. Nas minhas, ficaram as claras em neve. Estaria mentindo se dissesse que me lembro da primeira vez que assisti à transformando. Mas posso assegurar que, encantada como sempre fui pelo belo, simples e mágico da vida, reforçou-se ali o meu desejo de fazer mais mágica na cozinha.

Cozinhar tem esse apelo, é transformação pura e magia. Farinha, ovos, manteiga, um pouco de leite, fermento e açúcar viram bolos apetitosos; o grão duro vira arroz branquinho; o leite vira creme e, omais bonito, alimenta a gente. Esta talvez seja a beleza maior de ir para a cozinha.

Ontem, fiz risoto*. A cremosidade do arroz arborio, somada à textura macia dos cogumelos e ao tempero no ponto transformou meros grãos em boa lembrança. Outra mágica: a gente esquece o cansaço, o embaraço, o engasgo e fica torcendo para a vida vir sempre assim, em boas colheradas, em sabor.

Sabor para mim é prazer. E para você?

(*) Depois eu dou a receita e conto como aprendi com um chef e músico talentoso a fazer um risoto no ponto.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Gnhocci na rotina

Fazer gnocchi é difícil. Tive certeza disso, quando tentei acertar uma receita que alguém começou e que ficou mole, grudenta, incorrigível. Comer gnhocci em restaurantes medianos só reforçou a minha crença. Conclui que, definitivamente, fazer gnocchi não era para amadores.

Um dia, vi uma receita que me pareceu simples. Então, juntei os ingredientes e fiz gnocchi. Mais do que isso, fiz sucesso.

O Segredo
O segredo é que, para fazer gnocchi, tem que usar batata asterix (600g), tem que cozinhar até poder espetar o garfo com facilidade e, mais importante, tem que assar a batata em seguida. Assim, ela fica sequinha como deve ser.

Depois, é só juntar um pouco de farinha de trigo (150g), uma gema, um pouquinho de sal, um bom punhado de queijo ralado e a quantidade exata de noz moscada, que é só uma pitada, para não exagerar no perfume.

Para enrolar, disponha numa superfície polvilhada com farinha de trigo. Depois, é só divertimento: pegar uma quantidade de massa, deslizar na superfície, formar um rolinho, cortar em quadradinhos e ir juntando sempre polvilhados. No final, basta colocar água para esquentar bem – sem ferver –, jogar os pedacinhos lá dentro com jeito, esperar calmamente e – alegria, alegria! – vê-los subirem devagar. Quem nunca os viu se desmanchando no fundo da panela não vai entender a satisfação que é vê-los boiando brilhantes, lisos, perfeitos.
Servindo de inspiração
Noz moscada é como novidade, tem que ter uma boa pitada, mas sábio mesmo é valorizar a base da receita, a batata de todo dia, que é a rotina da gente.



terça-feira, 27 de maio de 2014

Corro demais

Acordei cedo, muito cedo. E acelerei! Não meditei, tomei café apressada, trabalhei num texto, trabalhei de novo, esqueci o horário do almoço, pulei a refeição e corri para a consulta agendada há dias, levei agulhadas do angiologista, fiz compras, ajeitei isso e aquilo em casa e fiquei quase cansada, a ponto de desanimar e reclamar da vida. Aí, me lembrei de uns dias ruins e fiquei tão aliviada por poder estar a mil por hora, tão disposta, inspirada, saudável... Hoje eu fui assim: otimismo acelerado. Tudo bem. Essa é a versão que eu mais gosto de mim.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Outras coisas

E já que o tempo anda curto e a vontade de compartilhar ideias anda imensa, segue uma inspiração de outro canto que me inspirou muito nesta segunda-feira cheia.

Clique aqui: Inspiração
Depois da pausa, fazer a vida acontecer.






quinta-feira, 15 de maio de 2014

Venci

Eis que o dia que começa chato, alonga-se chatíssimo. No fim de tarde, tudo está parado e o que não para incomoda como gente chata. De repente, chega-me uma mensagem, assim, como sinal de fumaça e há esperança no ar. Pronto. Vou dormir feliz. Invento que o dia foi bom e eu venci. Pequenininho assim. Êta vida boa!

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Lentamente

Acordo e, depois do copo d'água, do colchonete no chão, sento-me em easy pose e, cheia de boas intenções, pratico yoga e medito. É o meu momento de coração calmo e começa com cheiro de café vindo da cozinha, cheiro de menta – resquícios do creme dental – e um resto de sono, feito de fragmentos de sonhos vindo à tona, bocejos e alguma moleza. Há tempos inclui esse ritual no meu dia.

Às vezes, uma pessoa mais íntima me questiona: "Mas tem que ser todo dia? Não dá para ser mais flexível com a disciplina?" Raramente dá. Da mesma maneira que como quando tenho fome, tomo banho e me visto com o esmero possível, da mesma forma que durmo, escovo os dentes, corto as unhas, da mesma forma que ando ou corro para cuidar do corpo, preciso de um start mais zen para o meu dia. Só pra ver e fazer a vida de outro jeito.

Interessante notar que, depois de dois anos, nada parece diferente em mim, na minha personalidade, no meu jeito de me relacionar com o mundo, nada parece diferente com os meus desejos e sonhos. Então, por que continuo? Por que medito, canto, me estico, me esforço? Por que insisto nas poses mais difíceis? Por que busco ir além dos meus limites?

Mantenho o ritual, porque percebi que mudar e evoluir é suave como o vento. Ninguém dá notícias, ninguém vê o trabalho, mas uma mudança se processa. Lentamente, como água que corre todos os dias pelo mesmo curso e vai arredondando as pedras, eliminando arestas, uma grande mudança se processa. Ninguém sabe, ninguém viu, ninguém se dá conta, até que se percebe que a pedra mudou.
 Na minha prática cotidiana, tento ver a pedra que sou. Respirar, aquietar-me, confiar na prática e no tempo é como ver a água passar e perceber que aquele barulhinho que ela faz é um convite:

"Vamos mudar mais um pouco hoje?".

E hoje é todo dia que começa. Por isso insisto.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Bons ventos

Choveu um pouco e também aos poucos o clima mudou. O dia está cinza e eu gosto. Gosto do vento, da cor que sossega o corpo, do frio que pede acolhimento e me leva para dentro. Começo a vasculhar o baú de memórias e, entre névoas, desenha-se uma nostalgia não sei de quê, uma saudade vinda não sei de onde.

Fui para a rua e andei alheia ao mundo. Na livraria de sempre, folheei outros livros e revistas. Na hora do almoço, escolhi outro tempero. Depois, olhei para as casas, praças, para as fachadas, olhei a gente que passava, quis captar o que estava vindo à tona e descobri. O dia cinzento despertou saudades de mim.

Fiquei numa satisfação comovida, fui andando e desfiando minhas lembranças. Fui andando e tecendo com o fio fino da memória uma outra imagem do que fui. Já vivi muitas vidas nesta vida. Fui muitos personagens diferentes, frequentei muitos palcos, contracenei com uns e outros. Hoje, descobri que gosto de cada ato que vivi. Como quem vai ao teatro e se comove, fiquei comovida. E se houve aplausos, fui eu mesma que aplaudi.

Deve ser porque está ventando lá fora e o vento fala de outros cantos. Deve ser porque o outono está chegando na minha vida e anuncia um outro tempo. Deve ser porque me arrisco a encarnar outro personagem. Deve ser porque tudo não passa mesmo de entrar e sair de cena. Deve ser porque ainda tenho medo e acho bonito falar manso e contar histórias para não assustar a menina em mim. Deve ser isso que eu fiquei quieta e quase feliz.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Histórias que invento

Penso em dizer algo, penso em confidenciar algum segredo, mas desisto e logo percebo que até na desistência eu me comunico. O meu silêncio, espécie de ausência, desperta perguntas: "Nada há de novo? Anda ensimesmada? Refestelou-se no sofá?" É assim mesmo, há comunicação no que se lê e no que não há para ler.

Hoje, escolho outras palavras, frases mais curtas, talvez, que poupem tempo, para que alguém se aventure comigo a decifrar meus enigmas. Por um desses acasos da vida, achei você. Então, digo que acordo cedo – mais cedo do que posso e mais tarde do que gostaria. Gosto das manhãs de luz clara e fria. Sinto-me viva, renascida, despontando cheia de esperança para o novo. E se medito, é porque coluna ereta e mente quieta mudam mesmo a minha perspectiva da vida e do mundo.

Hoje, as palavras desentranham confidências e vejo que, nessa história, cabe algo de caos, cabe algum equilíbrio, muita busca e o desejo profundo de aprender. Por vezes, sou assim, meio calma. E se sempre começo a meditar pensando no relógio, achando meia hora meio muito, logo fico tão deslumbrada com o bem-estar, com o que vejo e com o que não vejo, com as evidências inexplicáveis do que é mais inexplicável ainda, que relaxo e vou para dentro.

Mas também sou acelerada. De manhã, sigo rápida para a caminhada e desacelero os pensamentos. Acho tão contraditório andar, andar e não ir a nenhum lugar... Mas gosto muito disso. Por isso, ando, ouço músicas e penso em trilha. Quando a música me toca, sou personagem convincente de um filme. Adoro a sensação de ser personagem da história que eu invento.

Quer saber? Sou calma, acelerada e trabalhadeira. Mais formiga do que cigarra, mais obstinada do que convicta. Lanço-me nos afazeres com energia do rato fugindo do gato e faço, faço, faço. Essa é a tentiva de dar sentido ao caos. Viver pode ser tão caótico se não me aprumo... Não dá para só fazer. Então, penso.

Penso se faz sentido inventar frases para os outros, alimentar pessoas, nutrir, cativar e emocionar. Penso se faz algum sentido desejar todo o bem do mundo pra todo mundo. Intuo que sim e elevo meus desejos à altura desta grandeza: Somos muitos e únicos na unidade que alguns chama de humanidade. Esse é o meu sentido, essa é minha história de todo dia.

Por fim, à noite, durmo em paz. E sonho muito.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Folga

De vez em quando, é bom dar um tempo nas obrigações e ficar vendo o dia desenrolar-se na vontade de afazeres descompromissados. Assim, descobri o que realmente me faz bem em plena segunda-feira. Porque eu posso. Porque eu mereço. Porque a vida é feita do que eu faço e do que não faço. Folga é o espaço precioso entre um compromisso e outro.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Com muito amor

Nesse dia de pausa, sentei-me para meditar e pensei nas pessoas por quem guardo um amor escondido. Sim, escondido, porque ficaria sem graça comunicar amor assim tão gratuito. E que não se confunda com amor platônico, porque no meu amor não declarado, estou certa de ser correspondida. Assim também, silenciosamente, sem alardes.

Conheço e convivo com pessoas que despertam um tipo de amor que pede para ser declarado, aquele amor de braços estendidos, de abraços, de presentes sem motivo, amor de presença constante, de amigo, de família, de herança, de sangue, amor DNA nascido ou adquirido. Esse é o tipo de sentimento que move a gente, que alimenta. Mas, de vez em quando, é bom olhar para o lado e ver gente que chegou, olhou, compartilhou momentos e ficou ali, na vida, aconchegada na mansidão do afeto.

Hoje, pensei foi nestas pessoas: as meninas da yoga, as mulheres radiantes que muito me inspiraram, meus clientes de publicidade e os fregueses assíduos no Empório Dom João, aqueles que elegem meu texto e meu tempero, me enchendo de gratidão e respeito, a faxineira do prédio onde morei que me visita de vez em quando, as mães das amigas que me veem tão poucas vezes e que, ainda assim, se tornaram uma espécie de família, são tantas as pessoas que corro o risco de render lista imensa. Então, se num dia qualquer a gente se encontrar e eu sorrir pra você com um brilho nos olhos, já sabe o que eu quero dizer. 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Passando...

A descoberta do tempo que passa e o susto também passam. É assim, a evidência surge por acaso, por uma data, um comentário, um olhar de soslaio para o espelho ou até um olhar bem meticuloso. E foi assim. Num dia qualquer, vi o tempo no meu rosto, vi a alegria passada no sorriso de agora, vi o esforço do trabalho nos cantos dos olhos, vi a preguiça de não usar óculos nos riscos graciosamente desenhados noite após noite, vi o desgosto que, no tempo de agora, poderia ser dor nas costas, mas não é, porque, no tempo que passou, aprendi um pouco a respeito do viver e dos outros. Só um pouco, mas basta para diminuir o peso.

Passando, cheguei aos 49 anos. Tenho tanto orgulho disso, estou tão satisfeita com os sinais, com o que o corpo registra, estou satisfeita com o que carrego com tanto apreço no coração e que é muito, mas que não pesa, porque sentimento bom deixa a gente mais leve; estou satisfeita com o que fiz e, por isso, vou esquecendo o que não quis. Alegro-me tanto da minha vida e desta idade que quero festa.

Aí, sorrio e penso que certos gostos não ficam na infância. Carrego comigo a alegria de celebrar.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Confissões de ano novo

E eis que a página foi virada. Começa a história do ano de 2014. Hoje é apenas o primeiro dia e leio nos escritos dezenas de propostas, de desejos e de promessas de mudanças misturadas aos votos de felicidades. Ouço nas mensagens incentivos aos novos passos e aclamações às novidades. A sintonia é o novo. Assisto a isso como quem assiste a uma reprise. Então, acostumada por Urano ao movimento contrário, cismo em olhar para o outro lado.

Volto minha atenção para o passado, para o velho e bom da vida. E digo: este ano, vou valorizar meus ganhos, meus guardados, meus bons hábitos, meus velhos amigos do peito, meu baú de memórias, minhas conquistas, a força cultivada pelo tempo e os meus rastros.

Claro, é preciso seguir em frente, dar espaço para novidades estimulantes, desafiadoras, engrandecedoras. Essas, vou investigar bem de perto, lembrando que tudo o que é grande de verdade  não elimina – até enaltece – a força do velho. Um novo negócio exige a velha experiência; um novo passo exige a firmeza do passo consolidado.

Sim, optei por mudar a sintonia. Sintonizei com o antigo, com o guardado, com o que é velho, agradável ao corpo, à alma e aos olhos. Fiquei aliviada. Mais do que isso, fiquei grata. Deve ser bom começar o ano assim. Começo rica, começo vencedora, começo firme, começo sábia.


A pequena capela vence o tempo sempre que reverencio o passado. 

Para variar, não vasculhei o guarda-roupa atrás do que eliminar. Já passei da idade dos acúmulos, não precisei jogar nada fora, porque hoje tenho o necessário. Deixei bem guardados o pijama velho, a camiseta larga, os chinelos com a forma dos meus pés, o batom que não é na cor da moda, a pantalona cor de cereja que nem sei se "está usando", só sei que, quando visto, meu reflexo sorri para mim do outro lado do espelho. Deve ser porque fico mais eu e, por isso, mais bela. Essas coisas eu não joguei e não vou jogar fora. Elas me confortam e carregam o consolo de uma boa história: a minha.

É por causa dessa história que também não vou reciclar os valores e crenças que sustentam meus alicerces. Levei muitos anos para construir o que sou hoje e posso dizer que a minha identidade se sustenta pela fé, pelo amor, pelo perdão, pelo otimismo e por uma certa inocência, sinal de sabedoria e alguma mansidão. Se há traços de braveza, mágoa, frustração e derrota, é porque a minha construção ainda não está acabada. Além disso, aprendi que não é preciso demolir o prédio para corrigir uma infiltração. Minha estrutura já se revelou bem sólida.

Viverei com o velho hábito de tomar café com leite, de fazer três coisas de uma vez, viverei com o velho hábito de olhar pela janela e achar o dia lindo, mesmo quando chove, só porque acordo de bem com a vida, seja ela colorida ou cinza. Viverei com o velho hábito de acreditar nas pessoas, porque se tem algo bom de renovar é o amor e o afeto. Viverei com o velho hábito de não desistir, de ir até o fim, de não deixar restos no prato. Este ano, vou além das convenções, vou preservar o meu ser.

Em 2014, valorizarei a história. Isso é novo.