quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Era pra rir?

Acontece muitas vezes. Estou ali, trabalhando, atenta a outros textos e mensagens e eis que chega uma assim, desavisada. Às vezes, o título desperta a curiosidade e lá vou eu... Faço uma pausa, abro o arquivo – geralmente do PowerPoint – e viajo numa sequência de imagens de flores em close, rios de outro mundo, árvores no outono, estradas instigantes, gotas na pétala de uma rosa, pôr-do-sol em tons nunca vistos, abelhas com as anteninhas cheias de pólen...

Como o mundo em perspectiva poética é lindo! E a música? Essa também tem lá suas facetas. Enya ganha no ranking. Eu gosto. E muito. Portanto, a quem me envia este tipo de mensagem, digo que não me incomodam de jeito nenhum. Até porque, quando estou ocupada, não leio e pronto. E como gosto das imagens e do som, muitas vezes, vou passando e lendo como quem não lê. Ocorre que ler sem ler é uma armadilha.

Outro dia, recebi uma mensagem de pessoa muito querida e, diga-se de passagem, instruída. Abri. Logo começou a música. Gostei. As imagens eram bem anos 60 e 70. Meio batidas, mas vá lá... Nesse ritmo, fui lendo. Meu parecer final foi: “mais ou menos”. Voltei ao trabalho. Mas algo ficou me incomodando. Li o texto novamente e achei as pragas que me picaram: nostalgia extrema e idolatria de uma época. O Ministério da Cultura – ou da Educação – deveria advertir: Apego cega.

Será, meu Deus, que algum dia eu serei como aquele cara? Será que ele não vê que, com o intuito de mostrar quão grandioso foi o seu percurso ou época (?), no final das contas, mostrou desajuste e indignação? Será que eu corro o risco de me acorrentar ao passado a ponto de não enxergar os erros cometidos pela minha geração nem os acertos da geração seguinte? Tomara que não, porque, por mais bonito que seja qualquer movimento, há erros. E por pior que se apresente o cenário, há avanços. Eu vejo isso em toda parte.

Não quero envelhecer gastando o lápis cor-de-rosa para pintar o passado e o preto para o presente. Quero a caixa de lápis completa. Quero todos os verdes para colorir essa gente honesta que inaugura um novo pensamento, mais humano e ecológico. Quero usar os azuis para pintar aqueles que mudam os horizontes com muito respeito. Quero os amarelos para aqueles que, como girassóis, buscam a luz e não os aspectos sombrios da existência. Quero laranja para desenhar a autoconsciência e a percepção de que o prazer é a realização do potencial de vida. Quero todas as cores disponíveis. Até o preto, eventualmente, porque é preciso ver o que ainda pode mudar. A minha visão de futuro é colorida e mantenho a escolha. Seguirei traçando com minhas convicções e, com meus sonhos, o arco-íris da minha vida.

Quero envelhecer digna dos meus anos e do afeto pelo humano. Quero ir além do respeito, da admiração, do reconhecimento. Quero amor. E tem muita gente que sabe do que eu estou falando, gente que também está buscando outras palavras para traduzir o viver feliz e digno. Quero estar no ritmo do agora. E pensar o bonito.

Deixo aqui algumas frases a título de exorcismo:
- Nascer nos anos 50 foi uma barra. Essa geração chegou ao mundo para mudar TODOS os conceitos de VÁRIAS gerações

- Não existem mais velhos como antigamente.

- As avós eram umas velhinhas e hoje uma mulher de 40, 50 anos é um mulherão.

- Para as pessoas de mais de 40 anos, palhaço era o Carequinha. Hoje O POVO INTEIRO é meio palhaço.

- O Brasil FEDE.

- A ÚNICA música do Beatles a tocar é "Help".

Tem mais: ele dizia que casar era pra sempre, que as certezas duravam a vida toda, que tatuagem era coisa de criminoso e finalizava pedindo para parar o Brasil que os caras com mais de 50 anos querem descer. Espero que ele não esteja falando sério... Oh, somente agora eu me atentei para um fato: e se fosse para rir?

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Como morrer de inveja em 344 páginas

Pelo título e pela resenha, eu devia imaginar qual seria o meu sentimento ao final da leitura. Mas tantas pessoas gostaram, riram, sentiram-se inspiradas e me indicaram, que resolvi ler o livro Comer, rezar, amar. Trata-se do relato da escritora Elizabeth Gilmore de suas experiências numa viagem de um ano pela Itália, Índia e Indonésia. Diz a resenha que a moça queria explorar a arte do prazer na Itália, a arte da devoção na Índia, e, na Indonésia, a arte de equilibrar as duas coisas. Pois ela conseguiu mais: o livro tornou-se um sucesso mundial. Foram vendidos mais de 4 milhões de exemplares em 30 países. Não é pouca coisa, o que amplificou o meu referido sentimento.

Do que falo? De inveja. Pura e simples. Como é que pode? A moça consegue sair de um casamento chato, consegue que uma editora banque sua viagem, segue na companhia de um italiano simpático,  aprende italiano em 4 meses, engorda 11 quilos de tanto comer bem e fica feliz mesmo assim. Na passagem pela Índia, medita durante não sei quantas horas, emagrece todos os quilos a mais e, por fim, chega na Indonésia lindinha, onde um xamã maluco vai auxiliá-la na arte do equilíbrio. De quebra, namora um brasileiro gente boa e arrecada não sei quantos mil dólares para uma amiga. Consegue tudo isso e ainda milhões de leitores interessados em saber como. Não dá inveja?

Se ela tinha a intenção de inspirar revoluções existenciais, se queria somente escrever um querido diário, se queria uma graninha a mais ou apenas indicar caminhos para encontros legais, considero tudo válido. Cada leitor sabe de si e do que o inspira ou motiva. Cada escritor também. E, como eu ando querendo ser mais compassiva e mais zen – muito antes de ler tal livro –, digo apenas que ele deveria ter outro título. Por exemplo, o título desta postagem.

Pausa para reflexão...  Não, esse título não dá. Quem é que se interessaria? Ela foi esperta. É melhor deixar os pobres incautos pensarem que vão aprender a conjugar com perfeição os verbos comer, rezar, amar. Deixa pra lá... Não morri de inveja e desse mal eu não morro. Fecho com Nietzsche: “O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte.”

domingo, 11 de outubro de 2009

Zen e as formigas

Lá ia eu com passo apressado, temendo chegar atrasada ao compromisso. Ia pensando nos argumentos para a conversa, no preço a cobrar pelo serviço, entre outras coisas. Não perco tempo. Ando e trabalho.

Eis que – ôpa! – quase pisei numa fila de formigas. “Oh, lá vão elas apressadas.” O pensamento ia descambar nessa viagem, mas eu não tinha e não tenho tempo a perder. Numa atitude até um pouco zen, pulei a fila, livrei do aniquilamento dezenas de formigas e fui descendo a ladeira. Cem metros abaixo, irritei-me com minha pressa. A menina que fui não perderia de jeito nenhum a chance de observar a movimentação das formigas. Agora não, a pressa acabou com a poesia.

Duas horas depois, estava de volta. E as formiguinhas lá, na incessante tarefa de levar uma carga com duas ou três vezes o seu tamanho. Parei para vê-las. Resolvi reinstalar a poesia e a calma no meu dia. Que mal teria perder uns minutos?

Parei e observei. A fila seguia agitada. Duas formigas se encontraram  – "será que elas conversam?". Na entrada do formigueiro, nenhum tumulto. Como são disciplinadas! Giravam o corpinho de formiga e entravam de ré, deixando a folha para fora. Depois, com competência, arrastavam-na para dentro. E vieram formigas, refazendo o caminho em direção a outras folhas.

– “Mas o que é isso?”
Passado o susto, ainda proferi uma palavra antes de dar as costas:
– "Malditas!"
Ao acompanhar o trajeto em direção às folhas, vi o enorme estrago das formigas na árvore mais linda da minha rua. É uma árvore pequenina, mas dá flor.  Perdi o humor e fui embora praguejando.

Antes de abrir o portão, olhei para trás, vi a árvore, notei que ela resistiria perfeitamente ao ataque e não pude evitar uma gargalhada. Que ironia eu querer ser zen e não dar conta de ser humorada. Então, me pergunto:
– “Iêda, cadê a poesia?”

domingo, 4 de outubro de 2009

Búzios sem charme

As mãos envelhecidas mexiam e remexiam os pequenos búzios numa lógica que só ele entendia. Por fim, após alguns segundos, começaram as perguntas: “É casada? Tem filhos? Qual é o seu trabalho?” De início, ela respondeu. Mas foi ficando incomodada. Afinal, viera ali com um intuito apenas: saber se faria uma longa viagem. E dava para supeitar que o senhor buscava, digamos, inspiração para a consulta.

Como não estava disposta a perder tempo e muito menos o dinheiro investido, questionou:
– “Olha, se fosse para falar do que já sei, eu não teria vindo aqui. O que eu quero saber é se o senhor está vendo alguma viagem aí.”
Irritado, ele respondeu que ela precisava saber esperar. Ainda assim, jogou os búzios novamente e disse que não via nenhuma viagem nos próximos meses. E prosseguiu falando banalidades que, definitivamente, não a interessavam.  Foi demais para ela, que disse:
– “Eu não estou gostando nada disso. Até duvido...” 

Péssima escolha. Nem acabara a frase e a peneira voou pelos ares. Se ela era esquentada, ele era mais. Com um movimento apenas, levantou-se e foi logo mandando-a para fora.

Depois do susto, ela dispara:
– “É, faz isso mesmo. Mas saiba que a mim o senhor não engana!”
Perdido o respeito, veio o medo. Então, só restava pegar o dinheiro – que ainda estava sobre a mesa – e ir embora.

Eu, do lado de fora, ouvia apenas as vozes exaltadas e pensava:
– “Nossa, esse moço deve ser o máximo!”
Foi quando a vi saindo ligeira para o quintal. Vinha correndo em minha direção e eu só entendi a última palavra:
– “Rápido!”

Sem entender nada, quis saber o que aconteceu.
– “Esse picareta não sabe de nada. Vamos embora. Rápido!”
Mas ela não esperava pela minha resposta:
– “Eu não. Eu vou ficar.” 
Nervosa, continuou andando e só completou:
– “Você é uma besta mesmo!”

Besta ou não, fiquei. Não sei se por respeito ao senhor ou em consideração à amiga muito querida que o indicou. Quando entrei no cômodo, ele estava calmo, mas não quis jogar os búzios para mim de imediato. Primeiro, olharia o jogo da minha irmã. Disse que a viagem não se concretizaria, mas que ela podia ficar tranquila, uma outra viagem estava prevista e bem melhor. Depois, jogou para mim. Ocorre que, a essa altura, eu já duvidava de tudo. Nem prestei atenção.

Quando contei à minha irmã o que ele disse, ela deu uma gargalhada de descaso. Final da história: a viagem realmente não se concretizou e depois veio outra muito melhor. Precisava ter perdido o charme? Até hoje, ela jura que sim. E lá se vão mais de 20 anos...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Cartas na mesa

Há algum tempo, eu estava assim, assim, sem saber o que fazer da vida, se metia os pés pelas mãos ou se dava um novo passo, se virava a última gota ou entornava o caldo... Para não perder o rumo, resolvi arriscar na sorte e marquei consulta com uma taróloga. 

O que eu buscava? Uma solução? Claro que não. Em sã consciência, ninguém acredita mesmo em previsões. Elas são úteis apenas para que saibamos no que queremos acreditar. Já é de grande ajuda.

A primeira frase foi: “O que você anda perdendo?” E a consulta foi por aí, ela tentando me dar uma luz e eu cada vez mais perdida. Dizia: "conhece alguém em cargo de poder? Essa pessoa pode te ajudar.” É claro. Todo mundo sabe que um amigo em cargo de poder pode ajudar. Mas ele precisa querer, né?

Sai de lá com duas coisas a menos: dinheiro e paciência. Mas tudo bem, fui direto tomar cerveja com duas amigas. Porque, às vezes, copos na mesa funcionam mais do que cartas. O rei virou piada.

Horas depois, peguei um táxi, paguei, entrei em casa e a pergunta da moça me voltou:
– O que você anda perdendo?
– Oh, meu Deus!
Corri até a bolsa, olhei, olhei de novo e nada. A carteira havia caido no táxi e o motorista já estava longe. Com ele, foram-se alguns trocados, cartões de crédito, documentos e o humor que me restava.

Demorou quase um mês para que eu retirasse todos os documentos, recebesse novos cartões de crédito e comprasse uma carteira tão bacana quanto a que a minha irmã havia me presenteado uma semana antes da sessão de tarot. Foram horas e horas de filas e andanças.

Então, descobri o que estava perdendo: meu tempo.