domingo, 24 de março de 2013

Vida substantiva

A vida é bela. O tempo é generoso. E lá ia eu de novo com meus adjetivos. Mas esta não é a escolha. Hoje, a vida está substantiva. Cáqui colhido no pé. Banana-marmelo cultivada no quintal da casa. Casal de amigos. Torta de banana do tamanho da vontade. Chuva caindo lá fora agora. Janela. O lado de dentro e o lado de fora. Pingos que sutilizam a tarde.

A vida é susbtantiva no fazer e no não fazer nada, porque é domingo, tem preguiça, cama, calma, comida, garfo, faca, gosto, conversa, riso, depois do riso, gargalhada. Domingo feito criança, com filme, pipoca, livro, um convite amigo, rua, despedida do fim de semana. Tem muito no domingo substativo, menos medo da segunda.

terça-feira, 19 de março de 2013

Próxima parada

Quero o tempo de colher fruta no pé.

O tempo gira no relógio, assusta no espelho, passa a jato lá no alto, estica-se no ocaso. Mas não adianta. Nem atrasa. O tempo é sempre o mesmo, a percepção da gente é que muda o dia e a vida toda. Hoje, o dia está longo. Ontem, foi curto, em comum acordo com o fazer apressado.

Mas não tenho pressa, não me importo com a velocidade. Descobri, com o tempo passando, que a gente desacelera. Hoje, quero o tempo de índio deitado na rede, tempo de banho de rio, tempo de deixar pegadas na praia. Quero o tempo de catar grãos, de água fervendo, de transformação, de comida pronta. Quero o tempo de curtir al dente ou ao ponto. Mas quero o tempo sempre bem passado.

Passo diante do prédio onde morei e a árvore pequena, que mal alcançava a janela, está enorme e já não é minha. Paro o tempo de ver crescer.

Paro, às vezes, pela óbvia constatação de que não adianta correr. E paro agora.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Aula de mim

Uma mulher de baixa estatura e muita presença. Ela é assim, morena e baixinha, mas há algo no traje todo branco, na postura sempre correta e no turbante que prende os cabelos que acrescenta distinção e a impressão de mais alguns centímetros. Sobretudo, há algo na atitude que a engrandece. Um observador mais atento diria que há mais um detalhe importante, já que os alunos chegam e vão se assentando no chão, enquanto ela se assenta alguns centímetros acima, no pequeno praticável. Ali, estão dispostos tapete, almofada, cronomêtro, equipamento de som e i-pod. Enquanto ela se dirige para a turma – a minha turma –, é comum o olhar de quem está embaixo desviar-se para o retrato afixado logo atrás do praticável. A autoridade daquele olhar impõe respeito e dá poder às palavras.

Hoje, olhando em volta, eu podia ver mais três mulheres, três idades diferentes, três personalidades diferentes, três mistérios e o mesmo convite: decifra-me. Eis um convite que sempre aceito. Na minha imaginação, junto evidências, palavras soltas, o estilo da roupa, a postura, o passo, a voz, os gestos, junto tudo e vou compondo uma história. Por pouco tempo. De repente, olhos fechados, o que há são presenças idênticas, pessoas em busca, mulheres num caminho... Concluo que esta é a força de uma turma: gente sempre soma.

Do espaço que ocupo na grande sala, vejo o mundo lá fora. E o mundo parece distante. A analogia é fácil: aquele mundo fica cada vez mais longe, porque o tempo passa e eu me dirijo para o lado de dentro, lá, onde o mundo se apaga e eu me concretizo.

Além da vista, as quatro janelas amplas deixam passar o vento. Este é perceptível e se integra ao momento com uma sutileza que não desperta, traz cheiro e é carícia. Uns dias úmido, outros dias seco, agradável sempre.

E tem a música tranquilizadora, envolvente e, muitas vezes, pungente. A mente se perde nas notas e a gente se esquece das vozes. Ali, o diálogo interno é mais sensato, comedido e mais bonito.

Cenário e personagens descritos, há que se falar da prática. É desafio, descoberta, satisfação, tentativa, esforço, ganho...

Ganho. Escrevo esta palavra e vejo que ela diz muito. Escolhi praticar Kundalini Yoga em busca de equilíbrio, saúde, autoconhecimento. Um ano depois, posso dizer que ganhei um tanto de tudo isso. Mas, hoje, ouvindo a pequena grande mulher falar, descobri outras coisas preciosas que estou ganhando a cada encontro: o meu ser, a minha voz, a minha projeção no mundo.

Cantávamos um mantra e, de tempos em tempos, ela nos instigava a irmos além da repetição pura e simples: "Ouça sua voz. Conecte-se consigo mesma. Ouça quem você é. Acredite, projete-se nas palavras..." E nós repetíamos: "Humee Hum Brahm Hum!"

Eu sabia o significado daquelas palavras, mas acontece que a repetição com entrega me fez senti que, de fato, "nós somos o espírito de Deus".

No final da aula, restavam algumas palavras a dizer e eu digo agora: Sou grata, Sat Sangat, por ocupar um lugar na sala e nesta história, sou grata por estar conosco no caminho.
Inspiração.

sábado, 9 de março de 2013

Meus adjetivos

Sempre achei adjetivo próprio do que é bom e bonito. Eles despontam na frase para qualificar o dia lindo, a vida bela, a amizade gratificante, o trabalho perfeito... Estranhava-me que as regras da boa redação indicassem o uso comedido. Adjetivo é exibido. Hoje, eu sei que posso usar bastante, fazendo da transgressão uma nova regra. Aliás, ignoro até que o adjetivo se aplica também ao dia feio, à vida dura, à amizade estranha, ao trabalho ruim... No texto que escrevo, adjetivos reinam fartos e bonitos. Porque, no final das contas, quem escolhe o que entra na história da minha vida sou eu.

Adjetivo é a árvore florida na curva, é a estrada singela, é o céu azul, é o convite bem-vindo, é o passeio completo, é a fazenda da Ana, é um bom fim de semana. E fica aqui o registro com meus sinceros agradecimentos.