O primeiro pensamento que tive sobre os limites da vida foi alarmante. Eu tinha uns seis anos. Nessa época, gostava de ficar ao lado da minha mãe enquanto ela costurava. Ela instalava-se numa espécie de varanda e eu um pouco adiante, do lado de fora. Deitava-me no chão fresco e os meus pensamentos iam tão longe quanto o voo dos pássaros – urubus, diga-se de passagem – que eu adorava observar. Às vezes, fazia perguntas difíceis, tipo: "Onde termina o céu?" Esta pergunta vem ao caso, porque minha mãe respondeu que o céu não tinha fim. Eu duvidei. Então, olhei fixamente para o alto e resolvi descobrir. Pensei no que haveria depois das nuvens, depois do ponto mais alto que um urubu chegou, depois do azul, depois do sol e da lua e, quando cheguei no depois do depois, fiquei apavorada. Não havia nada que pudesse ser colocado ali, a não ser o escuro. Com o coração disparado, voltei meus olhos para o chão.
E foi no chão que, em outra ocasião, eu observava formigas e, num insight, pensei que, para elas, o universo era o meu quintal. Elas não tinham como saber que havia uma rua lá fora, que havia um bairro, uma cidade, um país, um mundo. Ela só conseguia enxergar o percurso do formigueiro à árvore. E se o quintal era o universo, o ser humano era o deus das formigas. Nós decidíamos se elas viveriam ou não. Nós poderíamos por o pé na frente de uma delas e impedir o avanço. Nós poderíamos dar-lhes alimento. Foi assustador, porque me veio a tese de que Deus poderia esquecer-se de nós, da mesma maneira como 99,99% das vezes nos esquecemos das formigas. A síntese desse pensamento foi um sentimento de abandono. Não quis mais brincar. Hoje eu sei que essa brincadeira tem um nome: chama-se filosofar.
Recentemente, o marido de uma amiga, vendo uma formiga que avançava sobre a mesa da cozinha, pego-a e, ao invés de matá-la, lançou-a do outro lado do muro, na rua. E disse algo como: “Se eu mato a formiga, acabo com a história. Mas se jogo para bem longe, dou-lhe a chance de outra vida.” Achei hilário pensar em como seria a próxima encarnação da formiga. Será que ela se lembraria que um dia habitou a mesa farta de uma cozinha? Será que ela avançaria em alguma escala espiritual?
Não tenho respostas. Aliás, a falta de respostas para estas questões é algo bem típico. O dia em que perguntei à minha mãe: “Se Deus criou o mundo, quem criou Deus?” Ela até tentou explicar, mas eu jamais consegui entender. Confesso que ainda me sufoco se começo a pensar na solidão de Deus, esse filho único de não se sabe quem – e não falo de Jesus, falo de Deus mesmo –, o soberano que brinca solitário com suas formiguinhas por toda a eternidade (palavra que também não me cabe).
Sei que não é bem assim. Mas sei também que as respostas que li nos livros de Deus e dos homens ainda não me satisfazem. O velho testamento, por exemplo, traz um Deus tão cruel que eu não aguento. O meu ser católico arrepia-se inteiro e encolho-me de medo. Como sei que isso não é justo, busco outras linhas para me inspirar. Leio um pouco de tudo. Quando li Nietzsche, encantou-me a coragem de dizer que, em troca de uma vida eterna, morre-se muitas vezes antes de viver. De fato, matar um querer, por culpa, é dizer não ao desejo de expansão da alma. Saramago também me surpreende. No livro Caim, ele resolveu se rebelar contra o Deus do antigo testamento e concluiu: «a história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele».
É por essas e outras que, às vezes, paro tudo e olho para o céu. Ocasião em que penso na vida e na desimportância dos meus sofrimentos, penso nos prazeres e no dia em que vou viver plenamente, penso que, se não alcançamos os limites do mundo, se não entendemos a presença de Deus, se não podemos compreender o intangível universo existencial, viver deve ser mais simples. Esse é o meu jeito de ir para o céu.