terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Oriente-se!



Para onde foi essa moça? O que ela foi olhar? A que ponto quis chegar? Que lugar tão distante foi esse que exigiu 40 horas de viagem e mais alguns dias para se acostumar?

Ela foi para a Índia. Com nove brasileiros, hospedou-se no Ashran do Aurobindo, Nova Delhi. Lá, permaneceu por dois dias, contribuiu nas tarefas e teve a oportunidade de visitar o Taj Mahal. Em meio ao exótico, ao belo e ao trânsito caótico, ela teve um olhar de deslumbramento e outro assustado. Era o novo somado ao impactante. Mas ainda não era esse o lugar.

Por isso, ela foi mais adiante. Encarou 27 horas de viagem de trem que incluiram, mesmo na primeira classe, baratas, camundongos e pânico. Era isso que ela buscava?

Não, Maristela, a amiga que compartilhou comigo – agora, conosco – sua história, queria algo mais. Queria concretizar o sonho de ir a Rikia visitar o Ashran onde morava o seu mestre Yogue, queria encontros que a mente ocidental não ousava dimensionar, queria descobertas. Para isso seguiu viagem.

Prosseguiu até Rikia e a cidade estava em festa: o Yoga Poornina, que é o culto à Consciência Cósmica – Shiva. Na festa, todos doavam e todos recebiam. Presentes? Isso e algo mais. É inevitável não reavaliar os pesos da balança da vida, quando se está diante do extraordinário. E ela esteve.

Viu mais de 3.000 estrangeiros, misturando-se a mais de 30.000 indianos em cinco dias de rituais. Viu colorido intenso e devoção profunda. Ouviu, as pessoas entoando antigos hinos Védicos Rudri e Mahamrityunjaya, uma técnica centenária. Cantou também.

No ashram onde ficou hospedada, acordava às 4 horas da manhã, trabalhava até às 20:00 horas, obedecia e nunca questionava. Na cozinha, picou legumes e verduras durante toda a manhã e, em meio ao caos, aprendeu que tudo é possível, quando se tem um objetivo e boa dose de disciplina.

Foi além. Viu pessoas vivenciando a espiritualidade de maneira tão concreta, que entendeu que alta vibração e energia não são algo abstrato. É possível explicar de outra forma a grandeza de um encontro com Satyananda, o mestre? Ela sabe que não.

E fez-se silêncio, porque, depois de Rikia, partiu para Bihar School of Yoga, a primeira universidade de Yoga reconhecida no mundo, onde permaneceu por 10 dias. Lá, viu sanyasis transitando com suas roupas laranja e cabeças raspadas, acordou às 4:00 horas da manhã, meditou, trabalhou  na cozinha, assistiu a aulas de Yoga, entrou na fila para o banho gelado de torneira ou balde, participou do Yoga Nidra (técnica de relaxamento) e, principalmente, calou-se, permanecendo em Mouna, o silêncio total.

Foi calada que recebeu a notícia da passagem do mestre Satyananda. A partir daí, cantou. Cantou mantras por horas, ao longo da tarde e da noite, revesando com outras pessoas. E conta que o mestre avisou aos mais próximos sobre sua passagem, cantou o mantra OM em posição de Lótus e assim partiu. Maristela viu fotos do mestre nos jornais indianos, naquela posição e enxergou a diferença cultural. Apesar da tristeza, não se ouvia lamentos, o que houve foi celebração da sua obra.

Na passagem de Maristela pela Índia, houve canto, mas reinou o silêncio. Quem ficaria quase 24 horas por dia, durante 10 dias, em silêncio total? Ela ficou. No final, descobriu que o silêncio é o primeiro passo para o mergulho interno. No mar da mente sem palavras o eu se perde para voltar a se encontrar. E a minha amiga disse: “Não virei santa, continuo a mesma. Mas veio houve um amadurecimento.”

Encontros dessa dimensão vão mais longe do que imaginamos. Maristela perdeu o pai poucos dias antes da viagem e, após a experiência na Índia, compreendeu um pouco mais a morte. “A morte passa a ser vida. Outra forma de vida. Hoje, comunico com meu pai em outra dimensão” – Diz. Era aqui que ela queria chegar?

Não. Por isso, de Bihar, partiu para o Ashram Aurobindo Hymalaia onde ficou por três dias. Lá, cumpriu as mesmas etapas da universidade, mas tinha liberdade e deu valor: “Confesso que tudo foi feito com mais prazer. Gosto da liberdade de escolha.” Ela afirma, para depois dar lugar a uma pergunta: "Será que conseguiria cumprir todas as tarefas, se não fosse a enorme disciplina da experiência anterior?"

Foi com espírito livre e grande alegria que Maristela seguiu para a última etapa da viagem: o turismo. Então, viajou pela Índia de carro, de trem, de avião. Presenciou cenas que a gente só viu nos documentários da TV: trânsito louco, desapego pelo carro, bagunça em larga escala que a levou a afirmar: “O psicotécnico indiano é para medir a intuição.” Somam-se a isso, vacas soltas, elefantes, bicicletas, dromedários, motos, tuk-tuks, gente, cor, gente, macacos por todo lado, mulheres de sari, pobres, ricos, mais cor, caminhões com frases do tipo: “Por favor, buzine”... A India é isso: um mundo impactante, espiritualizado e mais colorido.

Agora, eu respondo: Para onde foi essa moça? Ao encontro de si mesma. O que ela foi olhar? O mundo que carrega. A que ponto quis chegar? Do lado de dentro. Que lugar tão distante foi esse que exigiu 40 horas de viagem e mais alguns dias para se acostumar? A consciência.

Se também quer ir longe, esta é a dica: oriente-se!


Curiosidades da viagem
Ou: Maristela quebra o silêncio
“Entrei numa loja e enquanto o vendedor me atendia, passava uma vaca suja. Imediatamente ele parou, pegou um vidro de spray com água, um pano e comecou a limpar a vaca. Naquele momento, eu, a cliente, não era o mais importante.

Atravessar pontes estreitas, a pé, cercada por macacos, foi assustador. Precisei da ajuda dos amigos para enfrentar o medo. Levei um tempo para me sentir salva física e psicologicamente.

Jaipur, a cidade onde foi gravada Caminho das Índias é belissíma. Os monumentos desafiam a nossa capacidade de absorver: convivem, lado a lado, a grandiosidade arquitetônica e a riqueza de pequenos detalhes.

A comida é inacreditável. Passo a achar a culinária indiana uma das melhores do mundo.

Fazer compras na Índia é um capítulo à parte. Você pode ser arrastada para dentro das lojas. Depois de um tempo, é desesperador. Quando veem turistas, quase disputam a tapa. Às vezes, largam a loja e ficam te seguindo. E há vendedores ambulantes por toda parte.

Junte todos os ingredientes destas experiências e acho que chegarão à mesma conclusão: a Índia é uma experiência múltipla e singular!"