Olhei para o menino e vi felicidade. Não era um menino qualquer e não era a felicidade como a entendemos, feita de um momento, de uma conquista, de um presente muito bom ou de possibilidades futuras. Era felicidade duradoura. Perguntei pra mãe o que o fazia tão feliz e ela respondeu que seria mais fácil dizer o que o deixava triste, pois estar feliz era um estado quase permanente. Então, quis saber: o que o deixa triste? Discussões, brigas, desentendimentos. Segundo a mãe, o menino não suportava ver pessoas em discussões acaloradas. Tenho dúvidas se entendi a grandeza disso naquele momento, mas está claro agora.
Discutir é não saber ouvir, é deixar o amor calar para o ego falar alto. O menino se entristece com a falta de entendimento, com a incapacidade de colocar o amor em primeiro plano. Percebo pessoas que se amam colocando a necessidade de ter razão em primeiro plano, ao invés de simplesmente aceitar o outro em sua inteireza.
Porque amar o inteiro é enxergar além das falhas e defeitos. Amar o inteiro é entender que as pessoas sempre têm noção dos próprios desafios na evolução inevitável a que estamos sujeitos. Amar o inteiro é acreditar nas intenções de mudança, por mais que ela demore a se concretizar, porque algumas vezes o processo é longo mesmo. Amar o inteiro é confiar no potencial humano. Sim, é isto: amar o inteiro é exercício de confiança.
Dizem que devemos nos colocar no lugar do outro para que haja melhor entendimento. Não sei. Ando pensando que o entendimento acontece quando aceitamos que o lugar do outro é o lugar do outro e que o nosso lugar é o nosso lugar. Entre este e aquele, deve haver uma intercessão chamada compreensão.
No dia em que me despedi da mãe e do menino, vi uma relação de amor inteiro, amor recíproco, sem necessidade de palavras. O menino, com paralisia cerebral, não se comunica desta maneira. Ele sente e vibra com o mundo. Isso fortalece. Isso eu compreendo.