quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Estamos no palco

Hoje, vasculhando meus arquivos, encontrei palavras esquecidas, como o texto abaixo, que escrevi há algum tempo e que continua valendo. Gosto de me sentir assim, como descrevi. Por isso, pra vocês e pra mim, vou me repetir.

"Outro dia, recebi um e-mail sobre alguns homens que fizeram valer a própria história. Pelo menos foi assim que interpretei. Vi desfilar pelo power point a face e algumas frases elogiosas e verdadeiras sobre Gandhi, John Lennon, Vinícius de Morais, Chico Buarque e outros de igual calibre. Gostei. Afinal, esse tipo de mensagem é sempre inspiradora.

Mas aquele não era um dia qualquer. Eu estava a um passo do meu abismo de imperfeição, pronta para mergulhar num mar de frustração. Qual o sentido da vida era a minha questão mais simples e me comparar com esses “heróis”, como foram chamados, seria a atitude, no mínimo, mais injusta. Diante de tantos feitos e obras magnânimos, o que dizer da minha obra cotidiana?

Mas fui além do drama e me mantive no palco. Qual o sentido da vida? Respondo: é viver. O que dizer da minha obra cotidiana? Muito. Ou apenas isto: estamos todos ligados. Não existe um fazer que não se complete com o do outro. A música só acontece se é ouvida, a poesia só acontece se é lida. Indo ao fundo do coração e não do poço, descobri que a grandeza do herói é o espelho da nossa busca e concordância.

Esse pensamento liberta. Posso ser os papéis que represento. Sou, mas cada dia me reinvento. Ser Iêda é minha obra. Por ela e por todas as lindas obras que conheço, eu decreto que não existe apenas um palco. A história contada nos leva a crer que apenas um palco interessa. Não é assim. Milhões de cortinas se abrem todos os dias, nos milhões de palcos espalhados pelo mundo, a cada ação que se desenrola. E quantas provavéis estrelas são negligenciadas pela história?

Acendam-se os refletores! Está na hora da gente brilhar. Gente, gente de verdade, gente que quer comer, gente que ama, gente que luta pelo outro, gente que sobrevive, gente que estende a mão, gente que cura, gente que planta, gente que quer colher, gente que sabe dizer não. Eu acredito nessa gente boa e heróica espalhada pelo mundo afora, eu acredito na construção solidária de outro cenário, eu acredito em um novo modo de assistir ao espetáculo. No organismo vivo que é o mundo, serei uma célula a atuar sozinha? Claro que não. Somos muitos, somos milhões. Só que a história quase sempre se atém aos nossos porões e estampa o interesse desimportante pelas grandes tragédias, grandes feitos, grandes amores. Poucas vezes, o amor plebeu conta, a massa do pão conta, a flor que brota conta; poucas vezes, a gente conta.

Concluo para mim mesma, esperando que o meu grito possa ser ouvido por muitos: heróis são todos os que reafirmam a vida. Quanto àqueles homens do e-mail que eu recebi, eles são como astros que passam de tempos em tempos, deixando um rastro de poesia, amor e verdade. Isso acontece, sim, de vez em quando, e é um fenômeno que serve para revelar a beleza que não se percebe, para refletir a nossa própria alma e grandeza.

Quem sabe, um dia, o mundo não precise mais de heróis nem de astros, porque enxergaremos o valor de cada vida, a importância de cada ser, a vitória nossa de cada dia. Amém!" (Iêda Ferreira, fevereiro de 2004)
 A orquídea que eu cultivei deu flores. Isso me faz pensar nos valores que cultivo, nos amores, no talento, no esforço...