domingo, 4 de outubro de 2009

Búzios sem charme

As mãos envelhecidas mexiam e remexiam os pequenos búzios numa lógica que só ele entendia. Por fim, após alguns segundos, começaram as perguntas: “É casada? Tem filhos? Qual é o seu trabalho?” De início, ela respondeu. Mas foi ficando incomodada. Afinal, viera ali com um intuito apenas: saber se faria uma longa viagem. E dava para supeitar que o senhor buscava, digamos, inspiração para a consulta.

Como não estava disposta a perder tempo e muito menos o dinheiro investido, questionou:
– “Olha, se fosse para falar do que já sei, eu não teria vindo aqui. O que eu quero saber é se o senhor está vendo alguma viagem aí.”
Irritado, ele respondeu que ela precisava saber esperar. Ainda assim, jogou os búzios novamente e disse que não via nenhuma viagem nos próximos meses. E prosseguiu falando banalidades que, definitivamente, não a interessavam.  Foi demais para ela, que disse:
– “Eu não estou gostando nada disso. Até duvido...” 

Péssima escolha. Nem acabara a frase e a peneira voou pelos ares. Se ela era esquentada, ele era mais. Com um movimento apenas, levantou-se e foi logo mandando-a para fora.

Depois do susto, ela dispara:
– “É, faz isso mesmo. Mas saiba que a mim o senhor não engana!”
Perdido o respeito, veio o medo. Então, só restava pegar o dinheiro – que ainda estava sobre a mesa – e ir embora.

Eu, do lado de fora, ouvia apenas as vozes exaltadas e pensava:
– “Nossa, esse moço deve ser o máximo!”
Foi quando a vi saindo ligeira para o quintal. Vinha correndo em minha direção e eu só entendi a última palavra:
– “Rápido!”

Sem entender nada, quis saber o que aconteceu.
– “Esse picareta não sabe de nada. Vamos embora. Rápido!”
Mas ela não esperava pela minha resposta:
– “Eu não. Eu vou ficar.” 
Nervosa, continuou andando e só completou:
– “Você é uma besta mesmo!”

Besta ou não, fiquei. Não sei se por respeito ao senhor ou em consideração à amiga muito querida que o indicou. Quando entrei no cômodo, ele estava calmo, mas não quis jogar os búzios para mim de imediato. Primeiro, olharia o jogo da minha irmã. Disse que a viagem não se concretizaria, mas que ela podia ficar tranquila, uma outra viagem estava prevista e bem melhor. Depois, jogou para mim. Ocorre que, a essa altura, eu já duvidava de tudo. Nem prestei atenção.

Quando contei à minha irmã o que ele disse, ela deu uma gargalhada de descaso. Final da história: a viagem realmente não se concretizou e depois veio outra muito melhor. Precisava ter perdido o charme? Até hoje, ela jura que sim. E lá se vão mais de 20 anos...