A menina tinha uns oito anos e era muito católica. Não, não era religiosa, era católica mesmo, assim, como a ensinaram. Foi por isso que, num domingo em que todos se divertiam vendo Silvio Santos na TV, ela se rebelou e foi à missa. Sozinha. Quando saiu, ninguém notou que havia algo diferente em seu semblante. Ela estava descobrindo o sentido da palavra determinação. Sem saber como nomear aquilo, dirigiu-se para a igreja mais distante, que era a sua preferida. Porque era alta, era grande, era velha, geralmente estava cheia de flores – sobras dos casamentos – e tinha um cheiro de fé.
Mas aquela igreja tinha um inconveniente: era longe. A determinação, que ela não sabia que tinha, mas que ia descobrir que sim, dizia: siga. E lá ia a menina. Andava e olhava para os lados, tentava memorizar os canteiros, as casas, as placas... Seguia olhando tudo, porque não queria ter problemas no caminho na volta. Que esperta!
Chegou, prestou atenção em todos os detalhes e em metade da missa. O restante do tempo, pensava alarmada em como haveria de encontrar o caminho no escuro. Era noite lá fora. Como foi se esquecer desse detalhe? Comungou, para não ser castigada, rezou como lhe falaram para rezar, acrescentou mais um Pai-Nosso para ajudar e saiu antes da benção final.
E se perdeu. Voltar para a porta da igreja era fácil, bastava ir na direção da torre. Difícil era encontrar o rumo de casa. As pessoas já iam se dispersando e o pânico tomando conta. Então, teve uma ideia: seguir dois rapazes que pareciam saber muito bem para onde iam e, para tranquilizar, tinham um ar muito amigável. Eles andavam e ela andava. Eles paravam, ela parava. Atravessou avenidas, passou por trilhos, praças, até pela rodoviária. E pensava determinada: "Eles vão para algum lugar. Eu também vou. Perdida eu não fico."
Ficou. Os rapazes entraram numa casa. O que fazer? Começou a chorar. A dona da casa veio ver o que se passava. "Estou perdida" – respondeu. Vindo de dentro, os rapazes pararam para ouvir e um deles disse: "Viu, ela estava mesmo seguindo a gente."
Depois de todos "Onde você mora", "eles vão te levar" e não sei mais o quê, ofereceram bolo. Assim, a seco. A menina perdia o rumo, mas não perdia o apetite. Por isso, engoliu um bom pedaço, entalou e foi socorrida com um copo d'água.
A caminho de casa, descobriu que um dos rapazes era colega da sua irmã mais velha. Oh, tragédia! Saiu correndo na frente, tentou despistar os heróis da noite, mas de nada adiantou. Eles também eram determinados. E foi assim que ela teve de aguentar, por anos, a ira da irmã, que morria de vergonha da caçula tola. E ainda por cima católica!
A menina que perseguia um milagre era eu. Eu que queria chegar em casa e que cheguei. Hoje, eu posso fazer mil analogias, dizer que seguir o caminho dos outros nunca me leva para casa; dizer que não importa as voltas, a gente sempre chega; dizer que o caminho dos outros não serve para mim... Mas o legal mesmo que eu aprendi foi a coragem de fazer o que eu quero e arcar com as consequências. Bem zen.