No altar, o padre levantava a hóstia e dizia: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.” E os fiéis respondiam: “Senhor eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”. A criança que eu fui encolhia-se de medo. Por não entender o que todos diziam, repetia: “Senhor, eu não sou digna de que entreis em minha morada, mas direi uma só palavra e serei salva.” Direi uma palavra e serei salva era o que atormentava. Que palavra? Não sabia e, por pensar que tinha obrigação de saber, não ousava confessar a ignorância.
Assim, a tortura se repetia todos os domingos. Havia sempre aquela hora em que os sininhos ecoavam do lado de fora e o silêncio sem resposta do lado de dentro. Aos oito anos, eu acreditava que não seria salva.
Um dia, perguntei a uma das minhas irmãs que palavra eu deveria dizer para ser salva. Ela não entendeu. Então, com impaciência típica de irmã mais velha, disse: “Amém”. Achei simples demais. Não, a palavra não podia ser aquela. Continuei carregando minha dúvida e, talvez, alguma culpa. Depois esqueci.
Alguns anos se passaram e foi lendo a bíblia que a minha dúvida deu lugar a uma nova pergunta: "Como assim, tantos anos com pavor do inferno e não era nada disso?"
Recentemente, fui a uma missa de sétimo dia e quando o padre levantou a hóstia e repetiu o ritual, não consegui segurar o riso. É hilário como o inferno da ignorância é capaz de assombrar.
A quem possa interessar:
A resposta estava em Mateus (8,5-13), passagem em que um centurião vai ao encontro de Jesus e diz: “Senhor, tenho em casa um criado com paralisia, sofrendo terrivelmente”. Jesus responde: “Eu vou lá curá-lo”. O centurião argumenta: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa, mas dizei uma só palavra e meu servo ficará curado”. Então, Jesus conclui: “Vai e faça-se como crês”. Naquela mesma hora, o servo foi curado.