Repito, porque a vida exige. Repetir é pisar no chão conhecido, é comer o pão de todo dia e saciar a fome do vivido. Repetir é reconhecer. E, às vezes, conhecer mais. Abaixo, um texto antigo que combina com o sentimento novo. Quem sabe também te inspira?
Vou cuidar do meu jardim
Ela disse que acordou de madrugada e, ainda com sono, meditou por um longo tempo. Depois, foi à cozinha preparar o café-da-manhã junto com todos os outros participantes. As mãos trabalharam muito e os lábios permaneceram em silêncio respeitoso. Na hora da refeição, o silêncio foi quebrado pelo mastigar dos afoitos, o que a incomodou um pouco. O dia seguiu sem pausas e a próxima tarefa foi cuidar da horta. Ali, de cócoras, ela se lembrou de que não seguiu o ritual de todas as manhãs e que o intestino já reclamava da posição. Não contou mais nada, porque as risadas não deram chance às palavras. Ela apenas ria do sufoco passado. Como risada é contagiante, também ri e não pensei mais no assunto.
Dias depois, eu cortava alho em fatias delicadas, quando pensei no quanto gosto do que é minucioso, do fazer sem pressa. Gosto de tarefas que poucos suportam. E agradeço se houver silêncio nessas horas. É porque “viajo” muito. Se há palavras, elas me atropelam. Então, estava ali, entregue ao pensar sem me concentrar – que é uma espécie de meditação – quando me lembrei do retiro no mosteiro zen, motivo dos risos da minha amiga. Pensei que adoraria preparar o café-da-manhã em silêncio após uma longa meditação. Então, veio a questão: será que eu sou zen?
Repassei o roteiro do dia no mosteiro e descobri que adoraria cuidar da horta, mexer com a terra, sujar as mãos, pisar no chão. Adoraria ficar um fim de semana sem carne, sem cerveja, sem excessos de qualquer espécie. Definitivamente, eu não pegaria carona com o casal que abandonou o retiro no dia seguinte à chegada. A partir desta constatação, fiquei chocada. Como é que eu nunca considerei isso relevante?
Encontrei algumas respostas. Uma delas é que preciso andar sozinha. Optei por fazer o meu caminho com meus próprios pés, com meus olhos, com minhas mãos, com meu coração, com meus erros e acertos, optei por ouvir a minha alma sempre que for preciso. Não digo que tenho tantos conhecimentos que possa andar só e me manter sempre confiante. Não é assim. Mas, para isso, existem os amigos e suas experiência que contam; para isso, existem os livros, os filmes, os acasos, os pequenos milagres; para isso, existe um universo de possibilidades. Portanto, falo, leio, vejo, ouço e, na hora de escolher, confio em mim. Preciso dessa espécie de fé, cuja metáfora mais cabível é de dar asas a quem salta no abismo do desconhecido. Isso me conforta e encanta.
Canto mantra se o entendo, leio a Bíblia se me agrada, rezo um Pai Nosso quando a situação complica, tendo água benta, eu tomo, faço novena se for preciso, repito palavras mágicas jurando que acredito. E se a questão era ser ou não ser, encontrei minha resposta: sou e não sou. Agora, com licença, porque, como disse o Cândido, de Voltaire: "isso está certo, mas devemos cultivar nosso jardim". O meu já deu algumas flores este ano e estou cuidando para que, em 2010, floresça o melhor de mim.