segunda-feira, 14 de maio de 2012

Para Sônia

Comprei peras para você. Foi sem motivo nenhum, só pela vontade de agradar mesmo. No momento em que as vi formando uma pequena montanha de sabor, lembrei-me do dia em que você me perguntou se podia comer uma pera que amadurecia esquecida na fruteira da sala. "É claro que pode" – eu disse. Naquele dia, você pegou a pera como quem pega algo precioso, lavou e mordeu com gosto. O sumo escorreu um pouco pelo queixo e você riu antes de limpá-lo com as costas da mão. Foi tão infantil aquele gesto. Deve ser por isso que, quando vi as peras expostas no supermercado, quis comprar logo meia dúzia. Uma só não bastava para o apetite, nem para a satisfação de vê-la, pelo menos por um minuto, esquecendo-se dos seus problemas.

E problemas você tinha vários. O engraçado é que era capaz de deixá-los de lado e vir perguntar dos probleminhas da gente, como se a minha dor de cabeça, pequeno sintoma de TPM, fosse mais importante do que a paz que você não tinha.

E por que você não tinha paz, eu queria te dar peras, não rosas. Claro que você teria sensibilidade para admirar belas rosas perfumadas, mas eu sempre soube que a vida para você se limitava ao essencial e até os seus supérfluos, como o franguinho no almoço de domingo, olhando assim, era tão essencial. As suas orações, as músicas evangélicas que você ouvia enquanto passava roupa, tudo era essencial. E se eu dizia que você estava chique com aqueles fones de ouvido, se brincava que a tecnologia resolveu nosso impasse sobre a sintonia do rádio, era porque enxergava o quanto é chique manter os olhos – e os ouvidos – voltados para algo além do chão comezinho. É, Sônia, o chão que você pisava era mais do que comezinho, comum ou modesto, era cruel.

E por que o seu chão era cruel, você estava sofrendo tanto nos últimos dias. Ao longo de 18 anos, eu descobri que você tinha forças para superar tudo e eu sabia que você iria superar o mal que te cercava. Deve ser por isso que eu quis te oferecer peras maduras e doces. Porque um gesto de carinho faz bem quando se tem tão pouco. Principalmente, quando se tem tão pouca paz.

E por que você nem mesmo tinha paz, eu lhe comprei não uma, mas seis peras. Você teria gostado. Você gostava de receber e não tinha vergonha de levar, também não tinha vergonha de pedir. Pedia mesmo, sem vacilar. Eu reclamava, mas você sabia que era brincando, não sabia, Sônia? Você sabia que eu ria com sinceridade e carinho quando dizia: "Você é uma pidona." Era com satisfação que eu dava aquele pouco que eu tinha para oferecer a você que merecia muito mais da vida. E muito mais eu te daria. Porque você não pedia por pedir, pedir era apenas mais uma das suas estratégias de sobrevivência.

E por que você sobrevivia em meio aos desafios e tristezas, quando eu te perguntei, na última semana, o que você andava pedindo a Deus, você respondeu: "– Eu só peço que Jesus me dê forças para aguentar, se o pior acontecer." O pior aconteceu, mas não foi com sua filha, foi com você. Agora, eu me pergunto, será que Jesus te deu forças? Já que ele não fez a bala parar, será que ele te deu forças para ir encontrar a paz que você nunca teve?

Eu comprei peras para você e não pude entregar. Você veio na quarta-feira e eu não estava em casa. Mas eu deixei um par de tênis no quartinho, naquele lugarzinho de sempre, onde eu colocava os presentes. Esses, você levou. Certamente iriam parar em outros pés, porque é como você dizia, "infelizmente, não calçamos o mesmo número". Eu só não entendi porque fiquei tão irritada por ter me esquecido de falar das peras. Rogério me consolou: "Na quarta que vem ela leva, as peras vão aguentar bem na geladeira." Mas eu não parava de reclamar, quis ligar para a casa onde você estaria na quinta-feira e dizer pra você vir buscá-las, como se fosse essencial você comer uma pera. Hoje eu sei que não era. O essencial era o carinho.

E porque essencial é o carinho, eu fiquei triste. Eu intuia que você precisava demais disso. Você não precisava de roupa nova, nem do sabonete "estragado", nem de mais uma palavra de consolo, nem mesmo das peras. De alguma maneira, eu intuia que você só precisava de força e carinho.

E por que eu intuia que você precisava, não me esquecia das tais peras. Era como se fosse falta muito grave ter me esquecido. Hoje eu sei que eu só queria demonstrar minha gratidão. Andamos juntas por tantos anos... Você foi solidária, fiel, participativa, amiga. Eu dizia que você era quase da família. Quase? Não, se eu falo da grande família que construimos, você faz parte dela.

E por que você faz parte da minha família do coração, é com alegria que eu me lembro de você dizendo: "Pra você, eu não deixo de trabalhar nunca."

Aquele delinquente que entrou na sua casa e apontou a arma para você não sabia nada disso, não sabia da sua bondade, da sua luta, da sua angústia, dos seus medos, das suas escolhas, das faltas, da capacidade de perdoar quando todos em volta viam culpa. Aquele rapaz não sabia que se eu tinha comprado peras para você, é porque você merecia mais do que um tiro, você merecia amor, respeito e carinho. Eu sabia.

As peras estão na geladeira. Mas, agora, você não vem.